24 de novembro de 2003

O estádio do Algarve foi inaugurado sem bola

Somos, como povo, acusados de tudo e mais alguma coisa. De termos chegado à India de olhos vendados, sem sabermos para onde íamos. De termos descoberto o Brasil quando Cabral pensava seguir na rota da Índia. De não termos negociado com os movimentos independentistas a independência das colónias. De termos abandonado as colónias sem negociações com os movimentos libertadores. De termos cedido à sedução fatal do olhar do Dr Cunhal e quase alinhado com os países comunistas. De termos traído a revolução dos cravos e virado politicamente à direita pela mão do general Eanes. De termos desbaratado os fundos recebidos da Europa para continuarmos atrás de toda a gente. De deixarmos, sempre, tudo para a última hora, sem apelo nem agravo. De não sabermos programar coisa nenhuma porque cada obra que estimamos em 50 milhões regista inevitavelmente um ligeiro desvio e acaba a custar o triplo. Somos apelidados de incapazes, incompetentes, improdutivos e inúteis. Confundem-nos com turcos e genericamente chamam-nos espanhóis.

Mas alto, depois de ontem a nossa auto-estima – que é uma das maiores preocupações que o ministro Bagão tem connosco! – está em alta. Finalmente uma coisa é programada como deve ser, a tempo e horas, muito melhor do que se fôssemos britânicos. Ontem à tarde foi inaugurado o Estádio do Algarve para um primeiro jogo que se vai realizar apenas a 18 de Fevereiro. Portanto, quase três meses antes. Nem o Dr. Filipe Pereira fez melhor as previsões sobre as listas de espera das cirurgias.

Foi uma cerimónia sem pompa, como dizem os jornais, embora com alguma circunstância. Na fotografia que ilustra o acto na edição de hoje, do jornal Público, podem ver-se algumas pessoas no centro do relvado, com a aridez das bancadas vazias em fundo, mas todas certamente importantes porque envergam fato e gravata. São reconhecíveis, para mim, que conheço pouca gente, o ministro Arnault e o autarca Vitorino, ambos com um pé em cima da bola, ao melhor estilo do Luís Figo. Diz o jornal que também esteve o autarca Emídio, que é de Loulé, de onde só conheço a Tia Anica.

Não consigo imaginar como aquela gente, envergando os fatos de casamento, teve a lata de se divertir com fogo de artifício sem ter ensaiado uma jogatana como se fazia quando frequentavam a escola primária, a bola era de trapos e o campo era o recreio com as árvores pelo meio. Sabendo-se, ainda por cima, que tudo daria certo, que não haveria desacatos, que ninguém deitaria a cobertura abaixo na euforia da vitória, quanto mais não fosse por respeito ao Sr. D. Manuel, Bispo do Algarve, que estaria certamente disposto a arbitrar o desafio.

Quanto ao custo total referem-se 35 milhões de euros, o equivalente e sete milhões de contos que as pessoas ainda entendem melhor. Diz-se que o Estado comparticipou com apenas 1,2 milhões, o semítico. E parece que a propriedade é das Câmaras de Faro e Loulé que, penso eu, terão coberto o remanescente do custo. Mas as Câmaras municipais, como as Juntas de freguesia, como os Institutos públicos não são, como toda a gente está farta de saber, Estado nenhum. A Câmara de Loulé é do Sr. Emídio, a Câmara de Faro é do Sr. Vitorino, eles é que pagaram o estádio, o estádio é deles. Só não têm agora é equipas que lá possam jogar e que integrem os escalões superiores. Mas aos fins de semana podem-se fazer uns jogos entre casados a solteiros, se juntarem o dinheiro suficiente para pagarem o aluguer aos Srs. Emídio e Vitorino. Porque o Euro 2004 também vai pagar pelos três jogos que aí vai fazer em Junho do próximo ano!

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