18 de dezembro de 2003

A segunda armada invencível e o coliseu da cidade

Algumas dezenas de pequenas embarcações artesanais de pesca, vindas de Setúbal onde se encontravam inactivas por força de benefícios comunitários que indemnizaram os proprietários e mandaram para o desemprego os pescadores que nelas trabalhavam, aportaram ontem ao Cais das Colunas e, à força dos remos, subiram até ao topo do Campo Grande, onde se detiveram.

A orgia estava preparada e, sabendo o que os esperava, os maltrapilhos, ainda mal acabados de chegar, aos gritos e carregando remos, varapaus, trancas, pedras e o mais que tiveram à mão, em desordenada correria, invadiram o coliseu da cidade, réplica rigorosa do Coliseu de Roma. A pequena multidão que se acumulava nas galerias pôs-se de pé, invetivando os intrusos e chamando-lhes nomes às mães. Não se deixaram estes intimidar e um pescador mais corpulento, vindo de Matosinhos, pôs-se à cabeça do grupo como um Ben-Hur a ganhar mais de cinco mil euros por mês.

Depois foi o que se viu. A arena estava mal tratada com erva que ali parecia ter medrado nos últimos três meses. Fossem os leões herbívoros, o que neste caso teria dado jeito, e já a teriam pastado toda. Para próximos eventos que, como este, venha a ser organizado pela D. Cinha Jardim, sugere-se que oito dias antes do espectáculo se mandem vir coelhos da Madeira, peça de caça que o Dr. Alberto João não aprecia. Ficará a arena mais própria para a degola dos inocentes, podendo ver-se de forma muito mais excitante o sangue que lhes escorrerá das entranhas. O desenlace foi o oposto do que se desejava e, à custa de pauladas, arremesso de pedras e mesmo de força braçal, os meliantes exterminaram em hora e meia os reis da selva de cuja ferocidade vinha tratando o engenheiro Santos, que conseguiu escapulir-se no fim.

A sociedade portuguesa dos animais emitiu ainda ontem um comunicado repudiando os acontecimentos e reclamando que os leões sejam deixados em paz, bem como todos os outros bichos, mesmo voadores ou cuspidores de chamas. Exige também o mesmo comunicado que os maltrapilhos plebeus se confinem às margens do Sado onde se poderão dedicar a ouvir as poesias ordinárias do Sr. Bocage e, se assim o desejarem, a queimar em piras de lenha de pinheiro os infiéis que tenham faltado à missa de domingo ou atentado ao pudor, mijando atrás de alguma palmeira da avenida Luísa Todi.

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