24 de fevereiro de 2004

Com empresários destes o país nem precisa de trabalhadores

Os denominados empresários portugueses têm andado demasiado activos. Coisa rara, atendendo, na generalidade dos casos, à provecta idade que o bilhete de identidade lhes confere e ao merecido descanso de que, há longo tempo, estão necessitados.

Primeiro, segundo os jornais, quarenta foram à Presidência da República para manifestarem a sua apreensão ao Dr Jorge Sampaio. Sentiam fugir-lhes para Espanha o seu sentimento patriótico e a gestão das empresas a que chamaram, muito sensatamente, "centros de decisão". Julgando, e bem, que o euro é a moeda única em cujo primeiro comboio viajamos, os accionistas da Somague entenderam que o patriotismo varia na razão directa dos euros que se possuem. Sendo assim, venderam aos nossos vizinhos do lado. Ficaram aliviados das responsabilidades e sobrecarregados com euros caindo-lhes dos bolsos. Patrioticamente.

Depois, ainda segundo os jornais, reuniram-se 500, muito religiosamente, no convento do Beato. No seguimento de uma iniciativa patriótica do Dr Carrapatoso que, como toda a gente sabe, é o maioral da portuguesíssima Vodafone, acidentalmente com sede numa qualquer obscura "street" londrina. Para bem do país e tranquilidade das consciências enunciaram trinta princípios essenciais, tão vazio o primeiro como o último. Para preservação da espécie reclamaram, mais uma vez e com acrisolado patriotismo, a liberalização dos despedimentos. Auto-denominaram-se "compromisso Portugal" e regressaram, triunfantes, ao remanso das famílias e ao seio descaído das mulheres.

Agora, ainda segundo os jornais, reuniram-se os chefões das associações patronais e, patrioticamente, reafirmaram a sua fé na ladainha do Beato. Pouco dados às letras e tendo visto recusado o convite endereçado ao Dr António Lobo Antunes para que fosse ele o relator, tiveram que ser eles a redigir o documento. Claro, linear e objectivo como impõe a objectividade dos números. Foram felizes e não se perdeu nada que o Dr Lobo Antunes tenha continuado entretido com os Cus de Judas. Senão atente-se no seguinte parágrafo:

Há que garantir o dinamismo da procura interna, assente no investimento e na evolução sustentada do consumo, sobretudo do consumo privado, por via da libertação de maior rendimento disponível das famílias.

... não basta termos passaporte europeu: importa sentirmo-nos, vivermos e trabalharmos como europeus.

A obtenção de níveis adequados de receita pública depende mais da criação de riqueza assente na redução dos custos de produção, que da impossibilidade de um esforço contributivo insuportável às empresas e aos cidadãos, que acaba por trair perversamente os seus objectivos, como a quebra da receita fiscal o vem demonstrando.

Ficamos na dúvida, porque tanto o senhor de La Palisse com o senhor Luiz Pacheco poderiam ter escrito tão belas linhas. Mas não temos dúvidas em relação a um aspecto: país que tem empresários destes, não precisa de trabalhadores. Força com a liberalização dos despedimentos. Avante por Nossa Senhora de Fátima e pelo Conde de Ourém!

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