18 de março de 2004

É a retoma, estúpidos!

Nos dias que correm, férteis em transmutações, travestimentos e globalizações as coisas amanhecem com um nome, mudam durante o dia tudo sem mudar nada e anoitecem com uma outra identidade. Foi assim com a Sorefame que fabricava comboios, desapareceu do mapa, continuou a fabricar comboios, agora a dar pelo nome de Bombardier. Ao mesmo tempo mudou de passaporte, renunciou ao português para passar a exibir o canadiano.

Ontem, alegando a falta de encomendas nos próximos anos, a Bombardier bombardeou 400 trabalhadores, anunciando-lhes o encerramento da fábrica e o termo dos contratos. Por via amigável, é claro. Fecha-se a fábrica, pagam-se as indemnizações e ficamos todos os amigos. Até porque as indemnizações serão superiores aos mínimos a que a legislação obriga. Os trabalhadores que fabricavam comboios limitar-se-ão, de futuro, a ver os comboios passar. Sem que, seguramente, apitem três vezes! O ministro Carmona Rodrigues empenhou-se pessoalmente no assunto. Com a mesma convicção com que se empenhou na pouca vergonha da TAP, deixando as coisas seguirem o seu curso normal e não fazendo coisa nenhuma.

Hoje os trabalhadores reuniram-se em plenário, aprovaram uma moção, seguiram em grupo para a Câmara da Amadora para a entregarem ao respectivo presidente. Este, ao que parece, estava ausente para o seu habitual banho turco. O governo, pela boca do ministro, disse não poder fazer nada mas que era uma notícia muito triste. Por solidariedade embargou-se-lhe a voz e rolaram-lhe pela face duas lágrimas furtivas que enxugou com o lenço de cambraia. A partir de amanhã, disse, no seu ministério os funcionários usarão gravata preta e fumo negro nas mangas dos casacos. Ele próprio dará o exemplo. Todo o governo, incluindo o primeiro-ministro, os ajudantes e os assessores estão inconsoláveis.

Os trabalhadores, como seria de esperar, interpretaram mal a situação e confundiram alhos com bugalhos. A única coisa de que realmente percebem é de bigornas e de marmitas para transporte do tacho. Então não vêem eles que o que realmente está em causa é o controlo da inflacção, a redução do défice público e, evidente para quem quiser ver, a retoma imparável no concelho da Amadora!

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