25 de maio de 2004

Na lota cabala é peixe!

Antes de Abril de 1974 Portugal era um país atrasado, envergonhado e triste. Situado no cu mais ocidental da Europa, a que a geografia indígena chama Cabo da Roca, seguia a passo no fim do pelotão, atrasado, arrastando as botas cambadas pelo granito tosco das calçadas. Enquanto isso, para lá dos Pirenéus, Anquetil trepava para uma bicicleta, levantava-se do selim, galgava montanhas a eito e desaguava nos Campos Elíseos a ganhar voltas à França umas atrás das outras. Sobrava-lhe ainda tempo e pedalada para a mulher, legítima, e para o entretenimento de mais alguma meia dúzia de concubinas.

Era um país envergonhado, rural e submisso. Cada cidadão corria a esconder-se sempre que um automóvel se divisava ao fundo da rua principal e curvava-se, respeitosamente, à passagem de qualquer poderoso envergando casaco escuro e gravata preta. O regedor e o pároco eram a autoridade, faziam localmente as leis, velavam pelo seu cumprimento, puniam os prevaricadores. Mesmo o Terreiro do Paço, por mais pretensões que Lisboa pudesse ter, era mais uma freguesia. E S. Bento outra, onde o Dr Salazar governava e zelava pelos bons costumes com a bênção do cardeal Cerejeira. Não era permitido o uso do biquíni e ele próprio usava ceroulas todo o ano e nunca vestiu calções ou mostrou os joelhos, temente que era a Deus e às suas eventuais manifestações de desagrado.

Era, como continua a ser, um país triste. Sem iluminação pública e com o azeite ardendo numa combustão lenta nas lamparinas suspensas nas naves das igrejas. Por razões ditas de segurança o Dr Salazar não ia a lado nenhum ou, quando se dizia que ia, já tinha ido. Como licenciado em direito era um guarda livros meticuloso, muito diferente dos criativos que, há poucos anos, proliferaram pelo Parque Expo. O que estava certo, porque os licenciados em direito sempre foram os profissionais mais polivalentes do país e sempre serviram para tudo, incluindo a política e a advocacia.

Hoje, para variar, Portugal é um país atrasado, desavergonhado e triste. Apesar da evolução de Abril de 1974, o país arrasta-se na cauda da Europa e o Cabo da Roca nem sequer mudou de nome. Mesmo que o Dr Barroso, investido nas funções de um Salazar mais novo, esbraceje e grite que nos próximos dez anos o país se transformará num dos maiores da Europa. Como já prometia D. Afonso Henriques, assim que se viu livre das saias da mãe e cavalgou por aí abaixo à trolha ao mouro. Julga-se, talvez, um Alexandre Magno invencível, capaz de comandar um exército até aos confins da Ásia mas incapaz de marchar sobre Olivença e expulsar os castelhanos. Aproveitando a desconcentração por causa do casamento real.

A vergonha, perdeu-a. Terá sido a única coisa em que evoluiu como promete o Dr Barroso, para pior. Mesmo os poderosos não mentem com quantos dentes têm na boca, como se dizia. Mentem como mais e não se preocupam sequer em salvaguardar as aparências. Assumem-se, a um tempo, como beatos que o Vaticano há-de consagrar e como vilões de que o povinho troça. Frequentam mais o futebol do que a igreja, de onde as televisões ainda não transmitem, em directo, as missas e as novelas da vida real. De todos os quadrantes e a todos os despropósitos invoca-se a cabala. Nenhum criminoso é preso por estupro, por roubo ou por abuso sexual de alunos da Casa Pia. É-o apenas em consequência da cabala, mesmo que aquelas sejam qualidades que actualmente enriquecem o currículo. Mesmo de quem já o tem longo e completo. Nenhum partido perde eleições nas urnas: é defraudado à custa da cabala montada na lei eleitoral e nas mesas de voto. O governo, linearmente, recusa-se a cumprir obrigações e a pagar dívidas, como um caloteiro que ninguém respeita e de quem todos zombam. Como sempre, é caloteiro e arrogante: sobra-lhe em pergaminhos o que lhe falta em dinheiro. Invoca o interesse nacional e a cabala, montada pela oposição e pela herança do bloco soviético, com Carlos Carvalhas à frente. No futebol só se ganha quando a farsa do árbitro não é nomeado pela cabala do sistema e o apito que usa brilha ao sol, de dourado. A cabala justifica tudo, está contra todos, é omnipresente. A cabala vem à superfície como os golfinhos e navega em águas profundas como o peixe espada preto.

Na lota de Matosinhos, desde tempos medievais em que Narciso Miranda nem era ainda presidente da Câmara, cabala é peixe, como a sardinha. Um peixe menor, sem interesse, que não dá nem para o isco e que as próprias conserveiras nunca aproveitaram muito no passado. Os comerciantes do ramo, com porta para a rua e alvará de licença, sentem-se defraudados com a concorrência desleal, com o país inteiro a apregoar cabala. Que ninguém quer, nem para o gato. Mesmo a preços de merda!

1 Comentários:

Às 12:45 da manhã , Blogger osm18 disse...

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