11 de junho de 2004

O pânico do país em festa

A pretexto do maior acontecimento desportivo jamais realizado no país, - de acordo com a propaganda - este embandeirou em arco, diz-se estar em festa e vive-se o pânico atroz de um gigantesco campo de concentração deste princípio de século. Nesta semana final de preparação o país foi autenticamente invadido por jogadores da bola, treinadores principais e adjuntos, médicos, massagistas, roupeiros e carregadores de sacos desportivos. Vindos de diferentes origens e utilizando diferentes meios de transporte, rumando sempre a diferentes destinos aquém fronteiras.

Cada comitiva foi convenientemente isolada no degradante sossego de um hotel de luxo, posta de quarentena, não vá qualquer um dos seus elementos transmitir a febre amarela ou a tísica aos incautos e ingénuos indígenas. De muito longe, por entre grades metálicas, fortes lentes fotográficas acompanham os gestos de rapazes de cabelos compridos, barba por fazer e longos pelos nas pernas. Que se entretêm a correr sobre campos relvados, saltando à corda e saltando com colegas escarrapachadas às cavalitas.

As arenas, entretanto, estão prontas. Fortemente guardadas por dispositivos de segurança discretos, incluindo milhares de homens, dezenas de cães amestrados em farejar droga e apanhar fugitivos pelos fundilhos e centenas de cavalos treinados na arte de obedecer aos gestos dos cavaleiros. Não podem ser sobrevoadas e os submarinos que a heróica marinha do país há-de receber não poderão submergir e passar-lhes por debaixo, espiolhando o que se passa. Diz-se que a ansiedade cresce e chega a temer-se que câmaras de gás tenham sido montadas para o sacrifício de inocentes. Um senhor alto e de cabelo inteiramente rapado, falando uma língua qualquer parecida com italiano, de ar suspeito e aspecto irremediavelmente sinistro, foi exibido ontem perante as câmaras de televisão trazendo um apito pendurado ao pescoço por um cordel. Seguramente deve ser um dos carrascos.

O governo diz que está tudo a postos, embora se estranhe o silêncio que sobre o assunto têm mantido os ministros Arnault e Lopes. Mesmo que aquele tenha escrito uma carta em papel linho bond de 120 gramas por metro quadrado, de cor bege, fazendo aos nativos promessas de amor para a legislatura em curso e para a próxima. De passagem referiram as televisões e as rádios que as prisões foram esvaziadas para poderem receber estes malfeitores de luxo, usando grossos livros de cheques e inesgotáveis cartões de crédito, em ouro puro de 18 quilates. À cautela é preciso proteger o pé descalço e o sem abrigo, não vão estes ser saqueados por essa chusma de esquisitos invasores, vestindo camisolas garridas e emborcando cerveja em canecas de três litros.

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