2 de agosto de 2004

Jantar espontâneo de apoio a Narciso Miranda

Em Portugal as manifestações espontâneas são muito mais frequentes do que a canícula no Verão e o frio no Inverno. Mais frequentes até do que a facilidade com que se adormece militante de um partido político, mesmo com quotas em atraso mas com cartão retorcido arrumado a um canto da algibeira, e se acorda feito autarca como Narciso Miranda, deputado como Guilherme Silva ou ministro como Luís Nobre Guedes. Antigamente as manifestações espontâneas ocorriam na Quinta da Atalaia, no Chão de Lagoa e em Faro e eram sistematicamente acompanhadas de discursos berrados ao som ensurdecedor da música de Quim Barreiros e de uns copitos para colocar a voz e fazer fluir as palavras. Primeiro eram convocadas pelo padre da freguesia, no final da missa, antes da saída dos fieis, pelo presidente da junta ou até pelo cabo da Guarda. Menos frequentemente pelo chefe dos correios ou pelo carteiro do giro, antes de Horta e Costa se ter convertido à Opus Dei e desmantelado aquele serviço público a pretexto de preparar a privatização e aumentar a produtividade, colocando inactivas pessoas válidas e recrutando, sem concurso, os incompetentes que o partido lhe indica como comissários políticos ou afilhados do padrinho.

Hoje as manifestações espontâneas são requintadamente convocadas por e-mail ou mais apressadamente por SMS, iniciais da expressão portuguesa sacanas mostrem serviço, tradução linear da expressão anglo-saxónica - como este termo soa bem! - short message service. Foi assim que se levaram algumas centenas de pessoas a espalharem-se em frente ao Palácio de Belém para exigirem eleições antecipadas e outras centenas para reclamarem a nomeação de Santana Lopes para primeiro ministro e Cinha Jardim para candidata a respectiva dama. Pelos resultados, ao que parece, só o segundo grupo teve o mérito de descobrir o número do telemóvel do Dr Sampaio e de lhe mandar a convocatória.

Este fim de semana houve também, em Matosinhos, um jantar espontâneo de apoio ao eminente democrata e festejadíssimo autarca que é Narciso Miranda. A que compareceram mais de 2.000 pessoas, vindas das mais distantes paragens, incluindo Leça da Palmeira e Senhora da Hora, transportadas em camionetas que a organização teve o cuidado de fretar antecipadamente. O repasto - não sei se se deve ou não utilizar o prefixo re mas, não tendo Edite Estrela à mão, vai assim mesmo! - realizou-se na primeira marisqueira que tinha porta aberta, licença camarária valida e o camarão gigante a menos de dois contos o quilo. Ficou sensibilizado e comovido o doutor Narciso que não sabia de nada e que nunca esperou tanta gente, preocupando-se com a conta do telemóvel que até nem pertencia à autarquia. Quis mesmo, no fim e em sinal de reconhecimento, pagar ele a conta. Do bolso dele, seus maldosos, que aquilo não é nem a Porto 2001 nem a Casa da Música. Mas não lho deixaram fazer e, como os jantares de aniversário da canalha, as contas foram feitas à moda do Porto de Matosinhos, pataca a ti, pataca a mim.

Pelo caminho, de regresso a casa, Narciso interrogava-se. Estou na câmara há muitos anos, já nem eu sei quantos, para aí há cem mil licenças de construção. Mas que diabo, será que a minha família é tão numerosa, será que já terei tido tempo para arranjar emprego a tanto afilhado? Não! Alguns devem ter sido infiltrados pelo Seabra. Como naquela cena da lota. Pára, corta o raciocínio, que não interessa nada para aqui.

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