21 de outubro de 2004

A vocação terrestre dos catamarans

Bastam uma birra ligeira de S. Pedro e uma chuvada um pouco mais forte! E Portugal encharca-se, Lisboa inunda-se e o Tejo transborda para além do cais das colunas. Na travessia os cacilheiros, promovidos a celebridades com o sobrenome de catamarans, agoniam-se nos buracos do caminho e no medo do naufrágio. O piloto prende-se ao leme, evoca Fernando Pessoa, reza baixinho todos os versos do Mostrengo. A tripulação acompanha. Os passageiros dançam de bombordo a estibordo, agarram-se à amurada, deitam a carga ao rio, varrem o convés como esfregonas compradas nas lojas dos trezentos.

Na margem os pontões não balançam: saltam frenéticos, impossibilitam a atracação. Os passageiros munem-se de terços, invocam a Senhora de Fátima, rezam o Padre Nossa, olham o Terreiro do Paço suplicando pela melhoria do tempo e o abrandamento dos ventos. A empresa concessionária decide-se por nova imobilização dos barcos, culpa S. Pedro que não devia ter birras, desculpa-se com o rio que corre para o mar, afirma que estão velhos e são inadequados os pontões a que se atraca. E salienta que é baixa a remuneração dos administradores e elevada a taxa do IRC que o governo prometeu baixar.

Os barcos fazem um vistaço e ficam a matar na fotografia. Pena é que sejam forçados a navegar à superfície de águas revoltas de um rio que corre ao contrário, com pressa de chegar. Dar-se-iam de certeza muito melhor em superfícies planas e macias, enxutas e sem ondas. Poderá previdentemente a empresa pensar nisso?

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