16 de novembro de 2004

Monólogos interditos

O rescaldo de Barcelinhos
No rescaldo da excursão de fim de semana realizada por seminaristas do bairro da Lapa ao condado de Barcelos, para celebrar o S. Martinho, mastigar castanhas e provar o vinho, a paróquia acabou ontem abanada por um abalo sísmico não registado nos sismógrafos do Terreiro do Paço. Alguma comunicação social, tresmalhada e órfã da tutela de Rodrigues dos Santos e "sus muchachos", cuja demissão surpreendeu a RTP e confortou o ministro Sarmento, pôs-se diligentemente em campo a fazer o seu trabalho e a procurar a tal "cacha" para a celebridade.

Ia o ministro Portas saindo calmamente do seu forte, vestindo desportivamente casaco azul com botões de metal e levando o canito pela trela quando foi abordado por uma jovem estagiária, licenciada numa das 318 escolas superiores que o país financia para continuar analfabeto. Contratada a recibos verdes, a bem da redução de custos, do aumento da produtividade e da criação de riqueza com base no trabalho.

Repetidamente chamou por ele, para que a ouvisse. Senhor ministro, senhor ministro, faxavor. Era por causa do congresso, da sua ausência e da derrocada que esteve eminente, segundo consta na quinta, como me garantiu fonte segura.

Olhe jovem, eu gosto muito da juventude, passo os dias a trabalhar arduamente para que possa ter um futuro radioso, nunca me esqueço dela nas minhas orações da noite. Mas você é claramente inexperiente, nota-se-lhe nos tremeliques com que empunha o microfone e na gaguez com que desarticula as perguntas provocatórias que me quer fazer. Eu, que também fui jornalista de princípios, sem nunca atacar políticos ou denegrir cultos frequentadores dos saraus do casino, vou apenas responder-lhe às perguntas que eu próprio fizer.

Se me pergunta se eu sou o Paulo Portas, sou. Mas indignei-me com aquilo que vi na RTP, e posso indignar-me desde que o Dr Mário Soares me garantiu institucionalmente esse direito e a quem, por isso mesmo, já agradeci em cerimónias públicas e nas salas VIP dos aeroportos. Aliás é conhecida a admiração que mantenho por aquela ímpar figura pública. O meu único desencanto é não ter andado no Colégio Moderno, mas a minha família não tinha posses para pagar as mensalidades pouco socialistas.

Se me pergunta se estive em Lisboa no último fim de semana, estive. Sou de Lisboa, nasci aqui, na maternidade Alfredo da Costa quando aquilo era um estabelecimento respeitável onde não eram gratuitamente aceites mães solteiras. Depois resido também aqui, no forte, com terraço a dar para as ondas, onde me espreguiço ao sol, tendo o cuidado de não cair como o Dr Salazar que Deus tenha sob sua eterna protecção.

Além disso, sou ministro, triplamente ministro. Ministro de Estado, da Defesa Nacional e do Mar. São muitas responsabilidades para um homem só. Você já imaginou a carga da minha agenda? Ando para aqui com uma borbulha nos costas e uma estranha azia no estômago, que não prenuncia nada de bom, e ainda não tive tempo de ir ao médico. Nem posso embarcar, enjoo, dá-me vómitos, acabo por sujar o verniz do convés, não é figura que se faça. Especialmente quando se é ministro.

Se me pergunta se fui ao congresso, digo-lhe que não. Era longe demais e estava também ocupado demais. Mas mandei um ajudante e escrevi uma mensagem em que me esmerei. Não disse mal de mim nem de nenhum colega meu e dos realmente patriotas e competentes, como os do PP, até disse bem.

Se falei com o ministro não sei quê da silva? Falei com ele e com outros durante o fim de semana. Fui sabendo como corria o Gil Vicente contra o Futebol Clube do Porto, quis saber do tropeção do Benfica no enclave franco da Madeira. Fiquei na expectativa de ver como se sairia a cruzada do filho do major ao sultanato onde o sistema não penetra. E não penetrou, foi penetrado por seis vezes!

Se me pergunta se nos encontrámos em casa de um amigo comum, digo-lhe que sim. Fui convidado a ir lá tomar um café - Delta, para não dizer que não defendo o multi-partidarismo! - e apenas fui informado que ele passaria por lá. Como poderia adivinhar que ele ia lá estar exactamente quando eu lá fosse para o café? Sou ministro, triplamente ministro, predestinado por vontade de Deus, mas não sou o Luís de Matos.

Se não seria natural suspeitar da presença dele? Comigo nada é natural e suspeito de tudo. Mas nunca me ocorreu que estando ele logo ali um pouco acima, com pequena variação da latitude, lhe pudesse ocorrer passar por casa desse amigo comum, a estreitos 400 quilómetros de distância, para tomar um café, dar duas de conversa e trocar impressões sobre a não interferência na comunicação social.

Ai, agora deixe-me ir que se faz tarde. O canito impacienta-se, ainda me suja a parada, acaba a levantar a perna junto à guarita da guarda. Ó mamã! Prepara-me o iogurte Danone magro, com pedaços, das dez e meia!

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