10 de dezembro de 2004

Condomínio

Passaram ontem 150 anos sobre a morte de Almeida Garrett, nascido no Porto, desembarcado em Pampelido e falecido em Lisboa. No Porto é natural que se ignorem ou se hostilizem os seus filhos, especialmente os que maior notoriedade obtiveram e aos quais a cidade deveria estar mais reconhecida. Não é nenhuma novidade, a vocação endémica da cidade é fazer demolições, abrir buracos nas ruas, prolongar indefinidamente quaisquer obras e construir de raiz aquelas que ninguém sonhou se serviriam para alguma coisa. E que, de facto, acabam a não servir para coisa nenhuma.

A casa em que Garrett viveu os primeiros anos de vida, à Cordoaria, está à venda por qualquer coisa como 350.000 euros - o equivalente a 70.000 contos - com frutaria e lugar de legumes e hortaliças no rés-do-chão. É, no sítio apropriado, uma evocação das Viagens na minha terra. O prédio ostenta na frontaria um artístico medalhão - o nome não deve ser o apropriado mas é o que me ocorre - homenageando o escritor em 1864, dez anos passados sobre a sua morte, há cento e quarenta anos. Ontem o que foi feito, e tanto quanto sei foi pouco, deveu-se essencialmente à iniciativa de particulares. A Livraria Académica e o incontornável Nuno Canavez promoveram uma exposição de edições de obras do autor que, por dificuldades várias, ainda não visitei. Aí também ontem à tarde se reuniu quem esteve interessado em fazer um percurso evocativo de Garrett, conduzido por Germano Silva. Um homem que tem desenvolvido um trabalho notável, que acumula invejáveis conhecimentos e que a cidade não considera como devia. Mas que eu pessoalmente muito admiro e leio com uma quase devoção.

A casa em que Garrett morreu em Lisboa, fez ontem 150 anos, tem sido objecto de notícia. Não pela notoriedade do inquilino que albergou, aliás por curto tempo, mas pelo condomínio de luxo a que o local já estaria destinado. A bem das letras pátrias, da indústria do cimento e da associação dos construtores civis. Devo a Virgílio Marques, a quem importa reconhecer o persistente esforço em benefício da memória de outra incontornável figura do Porto, a fotografia que ilustra este apontamento. Sem qualidade, pela estreiteza da rua e pela falta de atributos para fotógrafo, segundo diz. Mas que, mesmo assim, dispensa uma só palavra porque é de todo elucidativa. A lápide, cuja arte já hoje se não encontra, tem a seguinte inscrição: "No dia 9 de Dezembro de 1854 faleceu nesta casa o poeta português visconde de Almeida Garrett". Hoje, muito provavelmente, um chegado grupo de amigos limitar-se-ia a fazer publicar um anúncio na secção necrológica de um dos jornais do Grupo PT.

A outra luta de Vírgilio Marques, com a criação da Associação Guilhermina Suggia, prossegue e terá, como outras, o pequeno contributo que eu, pessoalmente, possa dar-lhe. No respeito pelo passado de onde provimos, pelo presente em que nos afirmamos e pelo futuro que devemos às gerações vindouras. Que têm direito a mais e melhor do que viver na pobre perspectiva de ir pagando as prestações das dívidas que lhes deixámos como herança.

2 Comentários:

Às 1:23 da tarde , Anonymous Anónimo disse...

Lembram-se de o vereador da (in)cultura, um tal Marcelo Pinto, ter dito, logo após a vitória nas eleições autárquicas, que nunca tinha entrado no Teatro Rivoli? Nessa altura fiquei pasmado.
Infelizmente, hoje nada do que essa gente faça ou diga me espanta. A Câmara do Porto, afinal está nas mãos de um grupo de betos ignorantes dos anos 70, saudosistas das corridas de automóveis na Boavista. Querem lá saber do Garrett ! Um soneto, para eles, é um par de jantes de liga leve.

VG

 
Às 2:43 da tarde , Blogger V.M. disse...

Existe um abaixo-assinado a circular na internet apelando à não demolição da casa onde viveu e morreu Almeida Garrett, em Lisboa, na Rua Saraiva de Carvalho, 68.
Deixo aqui o endereço: http://www.petitiononline.com/casaag/petition.html
e o apelo para rapidamente os que ainda o não fizeram o façam. Somos responsáveis elo que fazemos e pelo que deixamos que os outros façam.

 

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