21 de junho de 2005

Citibank do caraças…

Ainda há pouco tempo Bagão Félix, um infeliz ministro das finanças e um finalmente feliz benfiquista se insurgia contra o preciosismo do rigor a que o governador do Banco de Portugal levara o cálculo do défice. O rigor matemático do Dr Bagão não comporta decimais e extingue-se na taxa de rentabilidade e no património líquido do clube que venera. O que lhe complica o entendimento de um défice de 6,83 por cento, que não é de 6,8 mas que também não é de 6,9. Importa salientar, em todo o caso, que ligeiramente mais rigorosos são aqueles que persistem no cálculo do valor de pi com um número de decimais mais extensa do que a costa portuguesa, de Caminha a Vila Real de Santo António.

Mas nem por isso pode o governador do Banco de Portugal ser classificado como um homem de rigor. A não ser, talvez, na defesa dos seus interesses, do seu ordenado e das suas múltiplas mordomias. E nas lágrimas de crocodilo com que recomenda a austeridade para os outros e grita contra o excessivo endividamento das famílias. Em Portugal, como se sabe, não há nem empresários nem gestores e os poucos que há - se os há, como as bruxas! - são simples excepções que mais não servem do que para confirmar o que se diz. Os gestores ou são reformados da política ou são transitoriamente corridos dela por acto eleitoral que levou ao poleiro o partido que estava na oposição.

As famílias e as pessoas isoladas que a não constituíram são violentamente pressionadas no sentido de se endividarem. Para benefício da única actividade que a banca, de facto, hoje desenvolve: a agiotagem. Com taxas de juro que não são negócio mas roubo, com impostos bonificados que atentam contra a moralidade vigente até no Sudão, com lucros que crescem exponencialmente e que, nem assim, satisfazem a curta classe de banqueiros que dá emprego a inúteis ex-governantes.

Algures chama-se a isso simples liberalismo, sistema em que vale tudo, até mesmo tirar olhos e praticar o incesto. Mas a banca alicia toda a gente para o consumo das maiores inutilidades que, a preço de ouro, se vendem nas casas dos trezentos e nas lojas dos centros comerciais. Depois é preciso, como dizem, "fidelizar" o cliente ou, usando mais simples vocabulário, evitar a todo o custo que a dívida se extinga. Por causa da dependência a que os desgraçados ficam sujeitos, mais agarrados do que a drogas duras.

Hoje, data em que se assinala o início do Verão, passei-me por completo. Há alguns anos, no Via Catarina, em pleno centro do Porto, um jovem conseguiu impingir-me um cartão de crédito do Citibank. Pouco uso tem tido o cartão e, por ser americano, já foi recusado em Cuba. Eu, pouco adepto deste plástico perigoso e poluente, utilizo moderadamente um proletário Visa Universo para pagamento de um ou outro almoço nas minhas sucessivas idas a Ourém. Há tempos comecei a receber correspondência endereçada, felicitando-me porque a minha conta bancária ia aumentar com um simples telefonema. Telefonei. Não! Não pretendia transferência nenhuma. Apenas exigia ser eliminado da lista dos destinatários das sucessivas circulares. A aplicação informática não o permitia e isso não era possível. A informática é uma coisa com as costas tão largas como o governo anterior, seja ele aquele que for, de forma que me calei porque o tempo, seguramente, era de inverno tristonho e cinzento.

Hoje chegou-me novo convite. Liguei para dizer que estava farto e que isto não ia prolongar-se pelo Verão fora. Atendeu-me um jovem com sotaque "do lado di lá", provavelmente falhado no futebol da superliga, de salão e de praia. Disse-lhe que não recorria ao crédito que me ofereciam porque, apesar da idade, tenho uma mãe extremosa e compreensiva que me chama de parte todos os sábados depois de almoço e me mete na palma da mão, muito enroladinha, uma nota de cinco euros a título de mesada. Retorquiu-me que se não queria, não utilizava. Respondi que a minha caixa de correio faz parte da minha casa, é parte do meu império, sou eu que dito as normas e que atiço os cães a quem se não conformar com elas.

Cancelado o cartão, peguei numa tesoura e retalhei-o aos bocadinhos. Tive um prazer quase sobrenatural. Ainda sinto ter reduzido a fanicos o filho da puta do banco. Se calhar logo à noite lá me ligam mais dois, que aguardo com fisgas nos bolsos e montes de seixos na boca. Não resolve nada porque a questão requer outras medidas. Mas contribui para que durma tranquilo!

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