26 de fevereiro de 2006

O santo inquérito

Foi amplamente noticiada nos últimos dias a suspeita de que 14 indomáveis e precoces rapazes, entre os 10 e os 16 anos de idade, a maioria internados nas Oficinas de S. José, na invicta cidade do Porto, terão espancado um sem abrigo e o terão atirado a um poço sito ao Campo 24 de Agosto. No fundo do qual, mesmo sendo ainda Fevereiro, o desgraçado terá morrido à míngua de ar e excesso de água não potável.

Demoraram a pronunciar-se a igreja católica, apostólica, romana, proprietária das oficinas e responsável pela catequese dos adolescentes e ainda o estado laico herdado do Dr Mário Soares, militante confesso do partido socialista e visitante regular do Campo de Santana, especialmente em véspera de eleições para a presidência da república ou para o grupo desportivo e cultural da Nafarros.

Fê-lo a primeira pela boca do emérito bispo do Porto, D. Armindo, que se viu coagido a mandar parar o calendário e a adiar a data do seu aniversário para as calendas, de forma a empenhar-se pessoalmente na procura da verdade sem que pudesse ser surpreendido a meio pela renúncia ao cargo, por limite de idade e passagem à situação de aposentado. Ordenou um inquérito, à semelhança do que faz o estado laico e qualquer presidente de junta detentor de maioria absoluta como o engenheiro Sócrates, e exigiu conclusões para 20 de Março de 2006, A.C.

Para começar mandou inquirir o próprio S. José, a quem elogia a dedicação de carpinteiro e a quem não pode perdoar a negligência de deixar tresmalhar metade do rebanho no meio da pradaria. Acha indesculpável tal acto tão pouco cristão e tão dissonante da superior prática dos cruzados que tanto e tão devotamente ajudaram a expulsar a moirama do castelo de S. Jorge. Em privado terá mesmo comentado que nunca tal teria sido possível nos tempos do Carlinhos da Sé, humildemente iniciado na prática de actos homossexuais nas escadas do Codeçal, mas frequentador diário da liturgia matinal e fervoroso comungante das manhãs de domingo. E enalteceu-lhe a vontade e a dedicação com que se devotou à sua própria reinserção social, em altura em que ainda não havia sido criado o respectivo instituto, e a forma digna e honrada como sucumbiu vítima da sífilis e da tísica. Tal o impediu de ser um ilustre gai - por incompreensível falta da letra y no alfabeto português - vitimado pela Aids, vulgarmente conhecida por sida no bairro do Lagarteiro e de figurar com o devido destaque nas diversas edições da Diciopédia da Porto Editora.

18 de fevereiro de 2006

Passagem para a lua

Venho aqui hoje, muito rapidamente, para deixar um pequeno texto e uma grande preocupação. Em tempos, algures num recôndito local deste estranho País, numa casa portuguesa com certeza, uma família terá tido um filho, quando isso ainda era comum e os índices de natalidade não tinham sido ultrapassados pelo défice orçamental e pela taxa de inflação. Não necessariamente no Entroncamento, onde há abóboras que nascem com pernas e nabos com cabelos eriçados à custa de gel. E onde, numa sã convivência e à falta de melhor, acabam todos a trabalhar para a CP com contratos precários ou mesmo a recibos verdes.

Esse ditoso rebento, que pode mesmo ser natural da cova das Beiras e conterrâneo das cerejas do Fundão, transformou-se por via do estudo aturado num credenciado cientista da Universidade de Aveiro. E com o rigor que faltava ao engenheiro Guterres, mau grado a inteligência e a classificação final da licenciatura, acaba de concluir que, de forma estranha e preocupante, a lua - sim, o satélite onde metade do País vegeta desde a batalha de S. Mamede! - se afasta da Terra - dito planeta azul em homenagem ao Belenenses e ao senhor Pinto da Costa, não se sabe bem porquê! - à razão de 3,8 centímetros por século, o que corresponde a cerca de 4 décimas de milímetro por ano.

Viajei hoje pela auto-estrada do norte a caminho de Fátima com o credo na boca e a memória da irmã Lúcia, que amanhã há-se ser trasladada, no pensamento. Implorei à Senhora de Fátima que, à falta de pastorinhos e de azinheiras, voltasse a aparecer no telhado de um prédio de cinco andares aos filhos de alguns vendedores ambulantes e lhes garantisse que, daqui a cinco séculos, nem por isso as viagens à lua aumentarão de preço. Porque se, quanto a isso, a gente se fia no engenheiro com nome de filósofo, estamos fritos!

11 de fevereiro de 2006

Erro de paralaxe

Para ser franco há muito que deixei de me entusiasmar com o futebol. A partir do momento em que a televisão o transmite sete dias por semana, de manhã e de tarde, senti ser-me exigido o mesmo esforço que me exigiria a mais atraente namorada que, na minha idade e com o meu juízo, quisesse que fossemos para a cama de manhã e de tarde, sete dias por semana. Isso, ao que ouço e ao que rezam as enciclopédias, é coisa para super-homens, zézés camarinhas e quejandos. Depois nunca percebi bem como é que o senhor Oliveira que espalhava painéis publicitários pelos estádios se transformou no dono e senhor absoluto do futebol, comprando e vendendo minutos contados ou encontros completos.

Depois ainda, a gente preocupa-se com aquilo que é problema e, quanto a isso, tranquilizei-me. Especialmente depois de ouvir um militar reintegrado, já aposentado - suponho que beneficiando de justissima pensão, embora curta! - indicar o futebol como a actividade mais exemplar que se desenvolve no país. Se assim é não vejo nenhumas razões para me preocupar, por mais apitos dourados que por aí haja e por mais cabeças que jornalistas sem escrúpulos possam atribuir-lhes. Como se os apitos alguma vez pudessem ter cabeça! Quando muito haverá cabeças a utilizar apitos e às vezes, como se sabe, até com muito pouca cabeça!

Antes da jornada do passado fim de semana, como constava dos jornais da especialidade, o Futebol Clube do Porto tinha quatro pontos de avanço sobre o segundo classificado. Este perdeu e, na segunda-feira, mesmo empatando, os discípulos do senhor Pinto da Costa aumentavam aquela vantagem para cinco pontos. Os jornalistas da especialidade proclamavam o relançamento do campeonato, depois do clube do Dr Rio ter aumentado a vantagem apenas para cinco em vez dos sete pontos possíveis. Creio que por simples erro de paralaxe. Porque, quanto ao jornalismo, este é, como se sabe, isento e de um rigor de meter inveja. Aos gestores públicos e ao ministro das finanças!

10 de fevereiro de 2006

O cagagésimo

Os portugueses, como é por demais sabido, alinham os números muito mal. Sejam doutores ou analfabetos, farmacêuticos ou trolhas, estudantes cábulas ou aplicados. E isto independentemente de serem inteligentes ou burros, chicos-espertos ou mesmo só chicos, ministros ou comissários das nações unidas.

O Dr Sampaio, ainda presidente da república, terminou esta semana a sua última presidência aberta, seja lá isso aquilo que for. Porque, para mim, aberta é a porta e a conta no banco. A dita comunicação social fez eco do facto de ser o Dr Sampaio o primeiro presidente a visitar todos os concelhos do país no decurso dos seus dois mandatos. É óbvio tratar-se de afirmação falsa, destinada a confundir as populações porque, como se sabe, qualquer candidato à mais remota freguesia do nordeste transmontano conhece o país de lés a lés, de Miranda do Douro à ilha do Corvo. E mais instruídos ainda eram os regedores do Dr Salazar que conheciam o país, uno e indivisível, do Minho a Timor.

O périplo terminou com a visita ao distrito de Viseu onde uma freguesia - Canas de Senhorim - pertencente ao município de Nelas, foi ontem notícia de abertura de noticiários e mais noticiários por poder manifestar-se contra a presença do Dr Sampaio que, com sensatez, resolveu em tempos vetar a elevação da localidade a concelho. É evidente que o veto do Dr Sampaio não resolveu coisa nenhuma e não teria sido essa a intenção. O que eventualmente poderia resolver alguma coisa seria manter intacta a superfície do território, caso as garbosas forças armadas pudessem impedir a violação das fronteiras, reduzir o número de concelhos a metade, fazer outro tanto às freguesias e encaminhar para o fundo de desemprego cinquenta por cento dos políticos quer ocupam os cargos a tempo inteiro ou a tempo parcial.

No meio disto veja-se contudo qual a expressão nacional da freguesia de Canas de Senhorim. É apenas uma entre as 9 do concelho de Nelas, as 372 do distrito de Viseu e as 4.260 do todo nacional. Nas últimas eleições autárquicas tinha inscritos 3.059 eleitores entre os 12.847 do concelho, os 356.431 do distrito e os 8.840.223 do país. E, para a eleição da câmara municipal, votaram 1.820 eleitores, dos 8.657 que exerceram esse direito no concelho, dos 236.297 que o fizeram no distrito e dos 5.390.571 que se pronunciaram a nível nacional. Isto a acreditar que aquela gente do Stape é mais expedita no raciocínio e mais despachada nas contas do que era o saudoso engenheiro Guterres que as nações unidas têm.

O que quer dizer que os noticiários abriram ontem em pleno, advertindo contra a invasão de 3.059 bárbaros, representando no rigor matemático com que o ministro das finanças calcula o défice orçamental, menos que um cagagésimo do total dos eleitores inscritos a nível nacional. Fosca-se, que são poucos mas são do catano!

8 de fevereiro de 2006

Cerca de 25 linhas tinha o papel selado

Razão tinha afinal o Dr Soares quando na defunta campanha para as presidenciais disparava a torto e a direito contra o jornalistas, mesmo que praticantes ou aprendizes. Acertava no alvo embora não propriamente na mouche. Também nunca foi um mérito especial do venerando Dr Soares acertar na mouche fosse no que fosse e, como diz o povo, não se pode ter tudo. Acertava assim a modos com o Cabral - que a história não reza que fosse Dr - descobriu o Brasil: partindo para a Índia! Sem fazer pontaria e sem saber como. Mas exultava como um compulsivo caçador de fim de semana que na tarde de domingo trás os cães de volta a casa com o orgulho e o discurso vernáculo de ter visto uma puta duma lebre.

Porquê? Porque nestas merdas o único que verdadeiramente sabe, sem todavia ser jornalista, é o Dr Pulido Valente. Cultiva o rigor científico com que a canalha reprova a matemática e a aproximação ao milímetro da décima milionésina parte do sacana do meridiano terrestre. Ou menos! Parece que quem manda na saúde, não sei se o ministro, se o Dr Cordeiro ou mesmo se o Sr Mello, quer encerrar um ou dois hospitais em Lisboa. Coisa pouca! Porquê? Por menos ainda: por desnecessários. Parece que têm pessoal em excesso, despesas exorbitantes e falta de doentes. O único pessoal que parece realmente indispensável - e insubstituível até às próximas eleições! - sáo os administradores e as respectivas secretárias. Os alfacinhas, descuidados e relapsos, parece que até já deixaram de adoecer. Pura e simplesmente morrem. Nem sequer andam por aí, como o Dr Santana entre a 24 de Julho e um ou outro chá-canasta da linha.

Esta manhã uma qualquer serigaita, aprendiz de particante de jornalista com jota maiúsculo e carteira profissional emitida pelo sindicato filiado na central sindical, relatava em directo, sem censura ou exame prévio, o que de trágico ia na perspectiva de encerrar os tais hospitais e nos prejuízos incalculáveis que isso representaria para a população. Especialmente a atingida pelo terramoto de 1755 e a que, se Deus Nosso Senhor deixar, cá estiver em 2755, sem que tenha que ser no dia 1 de Novembro. A cada palavra dita sentia-se que por causa do frio metia à boca uma castanha, dava-lhe a dentada, quase se engasgava e retomava o relato. Só em castanhas deve ter gasto algumas três dúzias, ao preço a que estão não lhe deve sobrar muito do que lhe pagam a recibo verde. Por razões de produtividade, interesse nacional, estabilidade governativa e rentabilidade da banca.

Mais do que isso a dita cuja ousava adiantar uma estimativa. Que aquele hospital a cujos portões enregelava, no ano passado, teria realizado cerca de 14.587 consultas. Nem mais, nem menos: cerca de 14.587, sem nenhum rigor. Cerca de! Porque rigorosamente à meia noite de 31 de Dezembro o médico escalado para o reveillon, quando bateram as sacanas das doze badaladas no relógio de pilhas made in China, estava mais ou menos a meio da consulta 14.588. Que afectou negativamente as estatísticas daquele ano por ter sido desprezada e positivamente as do ano em curso por ter sido considerada.