29 de março de 2006

O economês

O economês é um dialecto nacional que tem com o cidadão comum a mesma proximidade que a Nova Zelândia tem com o Terreiro do Paço e a mesma importância que na agenda do senhor José Luís Zapatero tem a preservação do burro mirandês. É falado, de forma incipiente, por economistas, políticos, presidentes de juntas de freguesia e futebolistas profissionais em fim de carreira. De forma mais desenvolta é também falado pelos senhores Luís Figo e Ronaldinho Gaúcho, na condição de poliglotas, sob a forma de embaixadores itinerantes da cultura globalizada.

A par do francês é o segundo idioma da preferência do Dr. Mário Soares, ex-candidato à renovação da presidência da república e à requalificação necessária e urgente do Palácio de Belém e do Museu dos Coches. É também utilizado pelo especialista da TSF, Dr. António Perez Metê-lo Metelo Metê-lo Metelelo, para quem tudo são sinais positivos como para o senhor Paulo Gozo Gonzo, nos comentários que nos serve ao pequeno-almoço, hoje com o mesmo destaque e a mesma actualidade do resultado do Benfica - Barcelona de ontem à noite. Ambos são sócios fundadores da associação de defesa do dito e membros da comissão instaladora, empenhando-se com a mesma determinação na respectiva divulgação e afirmação. O Dr. Mário Soares é, apesar de tudo, bem mais eloquente quando se trata de economês. Por falar calado!

26 de março de 2006

Tecnoquê?

Por mim vivo a par e ao ritmo do avanço tecnológico do país: com muitos anos de atraso e sempre actual. Do mesmo avanço tecnológico que Sócrates - plágio menor do original, sob a forma de primeiro-ministro! - anunciou por aí com "bomba e extravagância", em simultâneo com o encerramento de escolas e a distribuição de computadores a todos os estabelecimentos de ensino básico, a começar pelos encerrados. E ainda do mesmo que no século XIX fez o senhor Eça de Queirós invejar os que celebravam ao redor da mesa as delicias do cozido à portuguesa e prever, com o rigor matemático com que o senhor Pitágoras calculou o quadrado da hipotenusa, a realidade que vai por aí, do Minho a Timor.

Por isso mesmo compro - disse bem: compro! - o jornal todos os dias, olho para a primeira e para a última páginas, certifico-me de que o preço de venda não aumentou dia sim, dia e não e que o destaque da última vai inteirinho para o problema do "Sudoku" classificado frequentemente de "easy" que é uma palavra cujo significado desconheço e que utiliza caracteres que a minha professora primária me não ensinou e que, presumo, devam ser fanaticamente islamitas. Depois ponho-o de lado para me iniciar na leitura de alguma coisa que me chame a atenção na semana seguinte. E arrumo-o no saco destinado ao contentor que no ecoponto - uma versão moderna do ponto do desaparecido Teatro Monumental! - diz, sobre um fundo azul "Papel". Quando passados alguns três meses me decido por ir levar os jornais ditos "velhos" ao contentor, e deito por terra todas as boas intenções de ser "amigo do ambiente" porque o mesmo está a deitar por fora e tenho que depositar o saco de plástico na via pública, folheio-os de novo. Apenas para me certificar quimicamente, como o senhor Lavoisier, que nada se cria e que nada se perde mas que tudo se transforma.

Quer dizer, as últimas notícias de há três meses são tão actuais como as previsões que no século XIX o senhor Eça de Queirós fazia sobre este estranho país sem que, pelo menos que eu tenha conhecimento, seja ramo ou sequer folha da árvore genealógica do senhor Paulo Cardoso, quanto mais não seja a julgar pelo apelido, pelo automóvel e pela etiqueta "Armani" pespegada no fundilho das calças. Tanto assim que antes de saber ler e escrever - coisas que também dizem que D. Afonso Henriques não sabia e não foi por isso que deixou de encher os sarracenos de porrada! - o cidadão vai ter que saber de computadores para obter a carta de condução, depois de já ter que dispor do pecúlio suficiente para corromper os administrativos - versão moderna dos mangas de alpaca! - e os examinadores. E isso passará a fazer parte do currículo da cada um, com prejuízo incontornável para aqueles que, como eu, obtiveram a tal carta de condução sem saber regras de trânsito, conduzir automóveis ou pagar o selo do carro pela Internet.

19 de março de 2006

Mea culpa

Eu, com a vida tão afogada em dúvidas - o que sempre é melhor do que tê-la afogada em dívidas! -, que frequentemente cometo muito mais erros do que gostaria, tenho que vir aqui com a humildade que devo a quem por aqui passou e o grande respeito que me merecem aqueles que se dedicam à causa e a quem acabei por induzir em erro. Não me custa a humildade com que venho e tão pouco acho necessário corrigir o texto e conter a revolta contra quem age em nome da cidade. Por uma razão simples! É que por cada enormidade que não tenha sido cometida, seguramente os hipotéticos donos da cidade serão responsáveis por uma dúzia delas já consumadas e irreversíveis. Dói-me apenas o facto disso resultar de uma falta de rigor meu, o que levaria o Dr Rio a qualificar-me de "profissional do contra" como já fez a outros que não se associaram ao seu sentido profissional do bota-abaixo.

De resto penitencio-me pelo rebate falso. A fotografia vermelha foi tirada daqui. A outra fi-la eu, esta manhã, entre o cinzento, o frio e a chuva persistente de um dia de inverno que caminha para o fim. Ambas são imagens da mesma árvore. A outra, de domingo passado, não tem nada a ver com isto, embora tenha sido decapitada na mesma rua, um pouco mais adiante, sem publicidade ou aviso prévio. A esta continua preso o anúncio do pedido de licenciamento de um qualquer loteamento, o que não prenuncia nada de bom. Nem o anúncio, muito menos o loteamento!

14 de março de 2006

Estórias da Finlândia

Há um bom par de anos o acaso da logística e a certeza do programa fizerem com que em Birmingham me tivesse sentado à mesma mesa com mais dois ou três portugueses, três ou quatro italianos e um sueco. Este, - como rezam os manuais, as estórias de banda desenhada e as memórias do algarvio Zézé Camarinha - era alto, louro, de olhos azuis, bem disposto e pândego. Transportava a ironia fina que nunca descortinei por detrás dos bigodes de um viking e a palavra tão afiada como a do protagonista da Ópera do Malandro. Quase não parecia nem alto, nem louro, nem de olhos azuis. Ridicularizou aquela cena surrealista dos ingleses entoarem em coro o "God save the Queen" para, de seguida, se afogarem numa qualquer mixórdia morna como sopa a que chamam cerveja.

Quando chegou a altura das costeletas de borrego com batatinhas novas e um indescritível molho espesso, insonso e desenxabido, não se conteve que não dissesse: estes ingleses nunca souberam fazer comida, estragam tudo! Mediterrânico e ignorante - duas fatalidades! - tive que ripostar para lhe perguntar se no seu recanto escandinavo as coisas não seriam muito idênticas. Riu-se de forma sonora e largou, sibilino: mas nós contratamos quem saiba fazer!

Poucos anos depois quis o destino fadista que nos encontrássemos de novo, desta vez em Estocolmo. Sem sermos capazes de pronunciar palavra, vendo corredores específicos para escandinavos nos aeroportos, deparando com um conjunto de países ditos ricos unidos no desiderato comum de terem uma única companhia de aviação comercial que servisse a todos. E, pior do que isso, vendo menos automóveis Volvo do que é possível ver nas imediações da feira de Carcavelos ou nas cercanias da Cova da Onça.

Apesar da língua arrevesada, com palavras cujo sentido se mede ao metro como antigamente se media o riscado para os aventais, fomos sabendo que, de uma maneira ou de outra, todos os nórdicos se entendiam entre si. Com uma excepção: a dos finlandeses que ninguém conseguia entender. Mal eu seria capaz de imaginar como essa dificuldade nos iria ajudar nos conturbados dias que passam para que, depois de S. Mamede, de Aljubarrota e do 28 de Maio, o país pudesse sair da cepa torta, globalizar-se, aumentar a produtividade e deixar de prestar vassalagem aos senhores William - Bill para os amigos e para os ministros! - Gates e Herman José.

O engenheiro José Sócrates, na qualidade de sua excelência o primeiro-ministro, nomeou um grupo de trabalho - sem concurso e em que dispensou os "boys", optando pelos amigos e correligionários! - e encomendou-lhes um estudo sobre os modelos de desenvolvimento económico que melhor se adaptassem a esta praia lusitana. Viajou para Helsínquia em voo charter, alojou-se num três estrelas sofrível e posou para a fotografia ao lado dos responsáveis finlandeses. E anunciou, solene e grandioso, ignorante e torpe, que aquele era o modelo que queria para o país. Não tendo um assessor que lhe lembrasse que nada havia de comum entre o sotaque cavado da cova das beiras e o finlandês, o engenheiro Sócrates fez o papel do Dr. Mário Soares a conversar com a Rainha de Inglaterra, sem intérprete. Não foi capaz de perceber que para adoptar o modelo de desenvolvimento escolhido nos faltavam os finlandeses e quem fosse capaz de os entender!

12 de março de 2006

Domingo sem árvore

Curvo-me perante a beleza deslumbrante das imagens que aí ficam, à esquerda. Aplaudo, de pé e sem reticências, o esforço contínuo e aplicado desta gente, avessa a protagonismos e a louros, na perseguição de um propósito e de um projecto que, tanto quanto sei, nem a autarquia nem a república financiam. Reconheço, com gratidão se isso ainda é sentimento que se use, a forma como me ensinaram a gostar mais das árvores e a respeitá-las como parte do que me fica a montante na vida. Desespero com o augúrio premonitório que a Manuela, consciente e racional, aqui deixava suspenso, há bem menos de um ano.

Ergo-me revoltado, inconformado no desprezo com que energúmenos vários, deixam suplicantes os ramos trucidados dos restos da árvore desta outra fotografia, de hoje, que eu próprio recolhi. Não posso compreender muita coisa e definitivamente me recuso a aceitar pacificamente tantas outras. Não haverá Maio vermelho este ano Manuela! E porque será que secaram a árvore da forca? Porque será que a arrancaram pela raiz e a cortaram à medida de cavacas para alimentar lareiras famintas de novos-ricos, pobres de espírito? Quando tão necessária era ainda para pendurar pelos cueiros as inteligências saloias dos que se julgam donos da cidade!

9 de março de 2006

Dia da mulher

Com atraso e à minha maneira, só hoje aqui venho para assinalar aquilo a que as figuras ilustradas deste mundo-cão entenderam por bem designar por dia da mulher. Faço-o, obviamente, porque sou homem e não quero que, pela minha parte, a culpa morra solteira ou me possa pesar a consciência de alijar responsabilidades. O dia internacional da mulher, mais que uma hipocrisia, é uma invenção estúpida que nunca ganhou prémios em salões nacionais ou internacionais de inventores.

Durante 364 dias do ano - e vamos excluir os anos bissextos por causa das dificuldades de compreensão das gerações rurais e dos jogos olímpicos - os homens passam a vida a perseguir as mulheres, a repetir que as louras são burras e que as morenas não são inteligentes, a afirmar com um solene ar machista nos seus círculos de amigos que "são dos que gostam de mulheres", a divisar gajas a que chamariam um figo nos passeios, nas paragens dos transportes públicos, no metro e nos comboios da linha de Sintra. E depois, muitas vezes, vê-se onde jaz a masculinidade e o perfume do tão activo gosto por mulheres.

Os homens politicamente defendem quotas de atribuição de lugares às mulheres e não reclamam destas a igualdade de tratamento. Chamam parlamento às assembleias e deputados aos seus membros e quando algum, envergonhadamente, se refere à colega deputada isso suscita sorrisos enviesados e sugere a condição de velha profissional do engate e da cambalhota. Associam-se das mais variadas maneiras e feitios, na ordem dos médicos, dos engenheiros, dos arquitectos. Nunca se ouviu falar da ordem das médicas, das engenheiras ou das arquitectas. E quando se fala em algum sindicato de mulheres logo alarvemente se invoca o sindicato das putas, mas nunca o dos filhos. Tirando isso, lá se vai tolerando o sindicato das domésticas, com poucas regalias e quase nenhuns direitos.

Os homens que se vestem de mulheres são apelidados de travestis e de coisas muitos piores, que a hora a que escrevo me não permite enunciar, por causa das criancinhas que ainda estão de volta do prato da sopa. Outros consideram-nas tanto que nem para acasalar as querem e perseguem aturados trabalhos de investigação que possibilite uma forma mais original de fazer filhos do que aquela que por uma vez utilizou o antigo deputado do CDS João Morgado. Os homens, se os deixarem e se a virilidade lhes for sustentada à custa da química e do pau de Cabinda, comem as mulheres todas. Sem respeito por raças, credos, cores, idades ou laços de sangue. Depois dedicam-lhes um dia por ano a que chamam delas e, se não tivessem mais olhos que barriga, comiam-nas todas nesse dia. E alguns, mais gabarolas, não deixam mesmo de se gabar disso. Porra!

5 de março de 2006

Avenida dos Aliados

Esta manhã, sendo domingo e sabendo não ser dia de eleições, certificando-me de que os automóveis da vereação não estavam estacionados nas traseiras do edifício dos Paços do Concelho e que o gabinete do munícipe se encontrava encerrado para o descanso semanal dos funcionários, cheguei à brilhante conclusão de que também o Dr. Rio não estaria sentado à sua secretária, assinando posturas, autorizando ajudas de custo, promulgando transparentes resultados de concursos públicos. Embora soubesse e saiba, como toda a gente, que o Dr Rio não dorme, que por um momento não descura a defesa dos superiores interesses dos seus concidadãos - e dos seus próprios, já agora! - e que algures, entre uma coluna do Jornal de Notícias e um velho cimbalino à maneira, seguramente se mantém atento e vigilante sob a divina protecção do Sr Bispo do Porto e do Sr Abade de Santo Ildefonso.

E aproveitando o tempo fresco e soalheiro resolvi percorrer aquilo a que antigamente chamaram a Avenida dos Aliados e mentes mais malignas chegaram a apelidar de avenida do bacalhau, quando este era o fiel amigo e se comprava ao conveniente preço da uva mijona na Casa Natal e na Mercearia Chinesa, aqui por absoluto contra-senso. Regressei parcialmente reconciliado com aquilo que doravante deveria passar a chamar-se o Estaleiro Municipal Dr Rui Rio e temente pelos resultados inglórios dos esforços gigantescos que a minha amiga Manuela Ramos - desculpe-me ela o abuso da familiaridade, que nem a conheço pessoalmente! - tem desenvolvido em defesa daquilo que era um simbólico cartão de visita da invicta.

Para começar há muita coisa que está na mesma. Uma tabuleta toponímica, desenhada ao que parece por um dos rebentos do Dr Rio durante um fim de semana em Moledo do Minho, assinala a Praça General Humberto Delgado, político, e elucida o incauto visitante: antiga Praça do Município, omitindo por lapso juvenil e ignorância saloia que essa designação era para aí do tempo do Infante D. Henrique. E, já agora, não deixa dúvidas de que o general como militar não terá ido além de cabo, mas que foi político. Embora se não saiba onde e se lhe desconheça a obra. Mas isso também acontece com vereadores, presidentes de câmaras, deputados e até santanas lopes. O Sr Almeida Garrett mantém-se também no mesmo sítio, voltando o cu à Câmara e ao presidente, devidamente emporcalhado pelos anos e cagado pelas pombas.

A menina nua jaz no meio dos destroços e do lixo, sombria e triste, empoleirada num suporte que a Câmara, sem concurso, mandou adquirir na loja dos trezentos que fica em frente. Está rodeada de grades e barrotes, perdeu a alvura da pele e a robustez maternal das coxas, adquiriu o ar pensativo e vão de que casamento já não é para ela. Ao fundo a estátua e o cavalo persistem também em fazer como o Sr Garrett, virando o cu à Câmara e à vereação, o que certamente virá a inspirar um qualquer comentário do Dr Paulo Portas na Sic Notícias ou um post jocoso do Doutor - assim é que deve ser, o respeito é muito bonito! - Vital Moreira no blogue Causa Nossa. Com fotografia e tudo, caso ele traga a Nikon digital consigo quando vier ao Porto para os filetes de pescada na Casa Aleixo.

Ao fundo, em frente ao Passeio das Cardosas, pujante e de uma brancura à prova de detergentes e de arquitectos, está em flor uma magnólia branca. Enquanto ao lado, mais maneira, uma de cor rosa ameaça desabrochar, indiferente ao granito do piso e das mentes preversas dos engenheiros. Que quanto a pedra acho estarmos conversados, e até demais. A única de que dei por falta, sinceramente, foi apenas a das cabeças duras do presidente da câmara e dos arquitectos do projecto. Mas como hoje é dia de descanso é melhor nem os incomodar!