23 de abril de 2006

À descoberta do Porto

Todos os dias, religiosamente de domingo a sábado, compro o jornal cujo título não quero revelar. Por duas razões fundamentais, a primeira e a segunda. Sendo que em nenhuma delas está contemplada a manutenção do posto de trabalho do respectivo director, o regresso de Paulo Portas às funções de patrão de costa do partido em que milita ou sequer o triunfo da OPA - oferta pública de aquisição, para os especialistas distraídos! - de Belmiro de Azevedo sobre o capital da Portugal Telecom - PT, para os inveterados utilizadores da linguagem cifrada.

Ao domingo, também religiosamente, do primeiro ao último de cada mês, compro adicionalmente o jornal que Joaquim Oliveira adquiriu à custa de espalhar paineis publicitários pelos estádios de futebol e da descida de divisão do Penafiel a que preside o seu irmão António. Faço-o, surpreendentemente, também por duas razões fundamentais. Que, para surpresa completa, são ainda a primeira e a segunda. Sendo que na segunda se não contempla a rentabilidade - ou rendabilidade, ou rendibilidade, ou etc. - dos anúncios à linha, o rocambolesco das ligações amorosas do senhor Pinto da Costa ou, sequer, a desova da lampreia e o seu fim no prato dos apreciadores, em calda à bordalesa.

A primeira, resumindo e sintetizando, é apenas uma. Mesmo que para aí se diga, como nos tempos de el-rei D. Manuel I, que não há uma sem duas. E esta é, apenas, a deliciosa página a que o senhor Germano Silva empresta a lucidez da sua prosa, o fruto da sua investigação e a densidade dos seus conhecimentos sobre a cidade do Porto. E para que não sobrem dúvidas de que daqui, de facto, houve nome Portugal, atentem no mimo que transcrevo da página de hoje.

D. João III instituiu no Porto o cargo de "pai dos meninos" e encerregou determinado cidadão do desempenho dessa missão que consistia em "olhar pelos moços vadios e lhes dar amos que os tomassem à sua conta e a quem eles servissem". O tal cidadão dispunha de uma verba para ser aplicada na alimentação dos moços enquanto não lhes fosse encontrado amo. Ao rei constou, entretanto, que o "pai dos meninos comia o mantimento" e nada fazia em prol dos vadios e mandou que para aquelas funções "se indicasse um oficial mecânico que teria o encargo de cuidar dos enjeitados que aparecessem"...

Como se vê, também nisto, a fama já vem de longe como a do brandy cujo nome me não ocorre. E o proveito, infelizmente, também. Sendo que aqui me ocorrem tantos nomes que não quero ser injusto deixando algum sem referência expressa. Apenas por essa razão me excuso a enumerá-los nominativamente. Que cada um adicione ao rol os nomes do seu conhecimento ou da sua preferência. Democraticamente!

2 de abril de 2006

O sortilégio do 3

O sortilégio do 3, humildemente como algarismo ou arrogantemente nobre como número, é facto que se perde na poeira dos tempos. É mais velho do que eu e eu, asseguro-vos, já tenho uns anos. Menos, é certo, que o senhor Eça de Queirós e mais, creio eu, que a D. Margarida Rebelo Pinto. Escrevendo incomensuravelmente pior do que o primeiro e ganhando, injustamente, muito menos do que a segunda. Mas quanto ao sortilégio do 3, é segundo parece, mesmo mais antigo do que D. Afonso Henriques que ainda o escrevia com 3 pauzinhos erectos - salvo seja! - a que os antropólogos chamam hoje numeração romana. E anterior até a um antepassado de um qualquer aprendiz das técnicas do terrorismo e das doutrinas do Islão.

O 3 começa, e acaba, por estar em tudo. No que se desdenha, no que se ignora e no que se celebra. Na juventude da minha avó, ou no tempo em que os animais falavam, que vai dar ao mesmo, comentava-se como pecado sem remissão que a filha da vizinha já tivesse perdido os três. Os três vinténs de dote com que o senhor seu pai a presenteara para conseguir marido honrado e varão, é claro. Em tempos de crise e de transição a questão foi literalmente menosprezada. A revolução industrial e as teorias do senhor Karl Marx e dos ascendentes do senhor Herman José nem pouco mais ou menos se preocuparam com isso. Ah! Ainda tem os três, e daí? Ah, já os não tem, e que me importa isso? Serviam para alguma coisa? Nos tempos que correm comenta-se em altos berros e em tom de injúria: o quê? Não me digas! Ainda tem os três? Os 3 por cento da taxa de juro do crédito à habitação, concedido pelo BES, ao abrigo do verde-futuro, dos lucros do grupo e da redução do défice. Naturalmente!

Até o senhor primeiro-ministro, rodeado por sistemas de informação e de Patilhas e Ventoinhas por todos os lados - excepto por um, como se recordam, que é o istmo! - está irremediavelmente prisioneiro do 3 e do respectivo sortilégio. Não que se comente, na praça pública ou sequer na Rua Gomes Teixeira ou na Assembleia, que os tem, os teve ou os deixou de ter. Tem-se-lhe, estranhamente, respeitado a privacidade e dado certo liberalismo às simples questões de economia doméstica para os seus investimentos ou para a alienação do seu património pessoal. Mas o governo a que preside anunciou 333 medidas - nada menos! - para reduzir a burocracia, agilizar - um termo erudito que nem o senhor Eça de Queirós conhecia! - os serviços públicos e levar o país a ser o terceiro, a contar do fim, entre os mais desenvolvidos da União Europeia como, há três anos, era propósito do senhor José Manuel Barroso e da sua família, composta por 3 elementos, além dele próprio, que não conta.

Reparem bem: 333 medidas. Não são nem 332 nem 334, são 333! Três algarismos 3, dispostos lado a lado como correligionários do mesmo partido ou trigémeos verdadeiros. Nem parentescos colaterais nem compadrios suspeitos, como acontece com a formação do governo e a nomeação dos gestores públicos, observando rigorosos critérios de competência e de honestidade. Mais! Anunciadas rigorosamente às cinco da tarde que, como se verifica, é exactamente duas horas depois das três. E dois não é mais do que três menos um. Sendo certo que um é cabalisticamente a diferença entre três e dois. E a dois, como se viu atrás, basta somar-se-lhe um para que dê três! E até os quatro pontos cardeais - diz-se que o Zezinho respondia à sua professora antes do governo decretar o encerramento da escola! - são três: norte e sul!