26 de outubro de 2006

Cabo da Roca

Portugal é um velho país de dramas. Velhos, pungentes e dramáticos. Irreversíveis e irresolúveis. Desde sempre pelo seu envolvimento passional com o Cabo da Roca. Não conseguiu o país, até hoje, nenhuma outra paixão a ocidente. Levasse ela à situação de casamento, com conservatória, assinatura e convidados ou à simples relação de amizade colorida e sexo desbragado por uma noite. E, no seu modo desajeitado e tosco o sacana do rectângulo bem o tem tentado. Sem destino, sem resultado e sem proveito.

Desde logo deslocando-se para Sagres, numa época em que as "deslocalizações" não eram moda e os descendentes de D. Afonso Henriques resolviam os problemas à porrada. Expulsando o mouro para Andaluzia e atirando-se ao oceano, navegando precariamente para o mar alto, descobrindo a Madeira. Aqui soltando coelhos e sementes - estas por necessidade fisiológica inadiável! - para povoamento da ilha e desenvolvimento das teorias de Darwin, a fazer fé nos resultados a que se chegou. Os coelhos a doutores e industriais, intactos de cérebro e defensores de uma sanguessuga autonomia, as sementes a espécies ecológicas de coleccionadores de arte e bananas para exportação. Descobriram-se os quatro pontos cardeais que, no caso português, ainda hoje são três: norte e sul. Navegou-se para sul, plantaram-se padrões, dobrou-se o Cabo Bojador, à força de porrada ensinou-se o catecismo ao indígena, chegou-se à Índia. Com o mesmo sem destino e a mesma atávica falta de projecto chegou-se ao Brasil também.

O país não reformou as colónias como o engenheiro Sócrates hoje, patrioticamente, o reforma a ele. Com o aplauso do ministério, o apoio do mecenas Perez Metelo, a estridência silenciosa do engenheiro Ludgero Marquese o agastamento erudito de lentes e outros professores inundando o Terreiro do Paço. Pura e simplesmente porque o engenheiro Sócrates, como a pólvora, ainda não tinha sido inventado. Pelo contrário, foram as colónias a reformar o país e a devolvê-lo à procedência como uma carta que não encontrou destinatário e que não foi reclamada. De novo encravado no promontório mais a ocidente da Europa o país esbraceja outra vez e continua sem ter para onde ir.

O país é pequeno, minúsculo como a letra com que o escrevo, menor ainda do que a dimensão com que o vejo. Não está à altura nem da incompetência nem da ganância dos seus governantes. As poucas inteligências honestas e incorruptíveis que tem estão ao serviço do futebol que, mesmo aqui, não chegam de todo nem à arbitragem nem ao balneário. O território mal dá para as mansões de futebolistas e para os auto-nomeados empresários de sucesso, quanto mais para construir albergues e alojar os sem-abrigo. Os turistas, aos milhões, aliciados pelo pitoresco, pela propaganda e pelo vinho do Porto, comprimem-se no espaço exíguo do santuário de Fátima. Onde só o milagre e o sermão faz com que caibam todos, mas por pouco tempo. Durante a homilia e a procissão das velas. Agora são os condenados que se apinham em filas, à noite e ao relento, erguendo pequenas senhas de ordem de chegada, à espera de vaga nas prisões. O código, que deveria ser igual para todos, priviligia os que mais se empenharam no crime e que foram mais facínoras. Na prática de homícidios e na violação de menores da Casa Pia! Não desespere o condenado Pedro Inverno e não extravie a sua senha, há-de chegar a sua vez!

25 de outubro de 2006

A república

Isto não é uma choldra! Isto não é tão pouco uma virtual república das bananas, meio submersa no meio do oceano, governada por um qualquer folião de carnaval, despojado das cuecas em quarta-feira de cinzas! Isto é uma democracia, com um governo democrático, um parlamento democrático, um presidente da república eleito democraticamente e que conhece meio mundo, dos Cárpatos aos Urais.

E a democracia atingiu, finalmente, o zénite. Pelo elevado patriotismo e sentido de estado - é mais ou menos assim que eles dizem! - publicamente assumido pelos seus responsáveis políticos. Não houve um comparável pacto de regime nem na descoberta do caminho marítimo para a Índia nem no comércio da pimenta que se lhe seguiu. Tão pouco na celebrada viagem de Cabral para o Brasil, a caminho do canal do Panamá e também de Goa, Damão e Diu.

Todos os onze partidos políticos que concorreram às últimas eleições legislativas assumiram o mesmo comportamento irregular e unânime. Apenas se desconhece a posição do senhor Zé do Telhado e da respectiva quadrilha por não ter sido possível localizá-lo antes de fechada a edição do Inimigo Público. Mas foram eles unânimes no incumprimento da lei, aquela que eles próprios projectaram, aquela que eles próprios votaram, aquela que eles próprios aprovaram e fizeram entrar em vigor. Em nossa representação, diz o Tribunal Constitucional e o erudito professor Vital Moreira.

Apenas porque, segundo um escriturário de um desses partidos, o país se debate com falta de guarda-livros. Valha que não serviu a denúncia do Tribunal Constitucional mais do que o voto do senhor António Oliveira na assembleia do Futebol Clube do Porto. As contas deste foram aprovadas mesmo com o voto contra do penafidelense, as dos partidos consideram-se prestadas. Para além de todas as irregularidades. Para além da proveniência de todos os subsídios e financiamentos!

22 de outubro de 2006

Seis por cento

Senhor primeiro ministro, não convocou vossa excelência nenhum referendo sobre o assunto. Nem precisava. Evitou assim o desperdício inútil de energias e o esgotamento inconsequente de inteligências. Ao mesmo tempo que patrioticamente poupou ao orçamento o esforço adicional na cobertura financeira de senhas de presença, ajudas de custo, carros de serviço e cartões de crédito para pagar a mais um desnecessário grupo de trabalho. Já bastou não o ter podido evitar na necessidade que lhe foi imposta de comprovar que os funcionários públicos são mais que as mães, que um e meio por cento de aumento é muito mais do que o Dr Rio recomenda que os seus municipes dêem aos arrumadores e que oito cêntimos de acréscimo no subsídio de refeição vão conduzir ao engarrafamento do trânsito a caminho dos restaurantes do Guincho.

De resto, democraticamente e como sempre, vossa excelência decidiu no remanso isolado e tranquilo da sua residência, perante a sopinha de legumes e o concurso do senhor Malato, sem nenhuma interferência do travesseiro, e fez bem. No rigor com que recomenda ao país que aperte o cinto vossa excelência espremeu o patriotismo do seu governo. Excepção feita ao ministro pereira, que continua a soar-me mais a árvore de fruto do que a nome de ministro, mesmo quando precedido de pedro, ainda que intercalando silva. Com esse não foi vossa excelência um mãos largas, limitou-se a ser cem por cento justo e a converter essa justiça em simples percentagem no aumento dos rendimentos. Não se percebe como consegue vossa excelência conciliar o sono depois de ter limitado o nível da sua justiça, em relação aos outros, a uns míseros seis por cento. O país aceita os sacrifícios, admira o patriotismo mas quer vê-los recompensados. Não pense vossa excelência que alicia seja quem for a aceitar convites para o seu governo na perspectiva de amanhã ser aumentado seis por cento!

17 de outubro de 2006

Políticos

Até ontem à noite eu não tinha nenhum apreço pelo políticos, fossem eles ministros, deputados, presidentes de câmara ou regedores. Por descuido e para mal dos meus pecados, assisti a parte de um programa de televisão chamado Prós e Contras. Não mudei de opinião, mas acho que tenho sido demasiado benevolente na avaliação. Procurarei, de futuro, ser mais rigoroso. Sem que o meu rigor se confunda com aquele com que os autarcas contraem dívidas em benefício das suas populações ou com o que os ministros do território usam no acordo com Deus para a limitação da canícula e dos incêndios!

2 de outubro de 2006

Emigração

Parece que a partir de hoje se realiza em Lisboa uma conferência internacional sobre políticas de emigração. Os noticiários politicamente correctos, emitidos a partir das antenas de estações com alvarás de licença, adiantam desde logo que aí estarão reunidos os maiores especialistas mundiais na matéria. Seja a matéria aquilo que for e a especialidade aquilo que se imagina que não será e que não virá a ser. Ainda ensonados os jornalistas falaram na motivação que traz à deriva, até aos portos mais próximos do Mediterrâneo, os desgraçados que procuram furtar-se às misérias do continente africano, enquanto eles, confortavelmente, trincam o brioche e se escaldam no café com leite magro, por questões de linha. E falam no sonho que será para as sucessivas vagas de maltrapilhos e famintos chegar ao hipotético eldorado europeu que lhes povoa a cabeça pequena e o espírito mesquinho.

As políticas de emigração, ao fim e ao cabo, apenas querem prevenir a invasão de quem chega faminto de tudo e também de alimento. Não visam acolher ninguém que não esteja fisicamente em condições de ser explorado. Na violência das tarefas, nas intermináveis horas de trabalho, na exiguidade do salário e na selvajaria de um qualquer liberalismo a que atribuem a paternidade de todo o progresso. Amén!