20 de abril de 2007

O deboche

Um gentil, ocasional e erudito comentador, seguramente do nível dos mesmos que aparecem na televisão, falam na rádio, escrevem nos jornais, alimentam blogues que traçam o destino do universo e se sentam à mesa do café do senhor Luís Delgado, honrou-me com a sua visita e a sua prosa. Pouca, rara e excelente! Fê-lo como anónimo, o que se compreende e, mais do que isso, se aceita perfeitamente. Nunca foi certamente da vontade de Afonso Henriques que se soubesse que tinha batido na mãe e o efeminado D. Sebastião teria gostado muito mais que a história o lembrasse com o valente que tivesse vencido e convertido o mouro e o turco. Num país como este, que é miseravelmente o nosso, a excelência acaba sempre a ter vergonha de si própria, como a extrema direita, e a conviver com dificuldade com a chafurdice da ribeira dos milagres.

Mas honra-me sobremaneira que uma das raras excelências que apenas por fatalidade aqui viram a luz do dia, tivesse esperado de mim, injusta e injustificadamente, um elogio. Confrontou-se, para seu desconforto, com mais um sarcástico e mordaz deboche. E deixou-o expresso. Deboche tem para mim uma conotação que repugna ao próprio processo da Casa Pia, se é que o mesmo não faz já parte do arquivo onde a Universidade Independente religiosamente guarda, em alta segurança, os registos do percurso académico dos seus alunos. A minha doente e velha mãe certamente se desfaria em incontrolável pranto se soubesse que alguém, mesmo raro, excelente e único, o tivesse sugerido relativamente ao seu filho.

Na dúvida, coisa que muito raramente afecta os ignorantes, consultei o dicionário, velho e modesto, que tinha à mão. E fiquei a saber que o termo queria dizer libertinagem, estroinice e devassidão. O que, afinal, me sintoniza com o país e com a decisão suprema e desinteressada do Dr. Pina Moura renunciar à sua promissora carreira política e enveredar pelo controlo das receitas da publicidade e das audiências dos programas do Dr. Eduardo Moniz. Porque, com excepção da excelência, o país é libertino, dissoluto, devasso, crapuloso e ímpio. Mais, com excepção da excelência, ele é amigo de pândegas, doidivanas, dissipador e perdulário. E ainda, sempre com excepção da excelência, devasso!

18 de abril de 2007

Qualificações

Portugal pode ser um país pobre, atrasado e triste. Ou, eufesmiticamente, menos rico, em vias de desenvolvimento e de alegria contida e moderada. Mas deixará no futuro imediato de ser ignorante e analfabeto, por força do decreto e da demolidora capacidade política deste governo e da sua idolatrada ministra da educação. Rendo-me à evidência, bato com a mão no peito e reconheço a justiça e a lucidez de um dos meus dois leitores que, de quando em vez, me honra com a erudição da sua prosa e a lógica freudiana do seu raciocínio.

O país decretara antes o âmbito da escolaridade mínima obrigatória, o que desde logo fizera dele um dos mais avançados da Europa, a par com a penalização da prática do aborto e com o funcionamento irrepreensível da democracia madeirense. Foi um salto qualitativo que nunca Afonso Henriques imaginou em S. Mamede e que o MRPP de tempos idos nunca sonhou que pudesse levar o Dr. Durão Barroso a presidente da comissão europeia. Mas, mais do que isso, conseguiu levar o Dr. Paulo Portas a exigir directas já e o Dr. Garcia Pereira a reclamar vitória nas próximas presidenciais, pelo seu currículo académico e pela sua vetusta antiguidade.

O país institui de imediato a venda a retalho nas grandes superfícies e nas feiras de Carcavelos e de Espinho, das qualificações académicas mínimas que garantam a qualquer borra-botas o tratamento por Doutor como sempre aconteceu a qualquer caloiro da alta coimbrã ou da república dos praquistão. É fácil, é barato e dá milhões, como a qualidade dos diplomas emitidos por algumas universidades privadas, ultimamente muito procuradas pelos incipientes redactores do projecto de Bolonha, na procura de experiências novas, profundas e de fim de semana.

Para consegui-lo basta a qualquer auxiliar da construção civil dormir em cima de sacos de cimento há mais de 3 anos, tiritar de frio durante dois invernos, usar capacete de protecção quando o ministro da tutela visitar a obra onde um empreiteiro lhe dá emprego durante dez horas por dia e aplaudir o carro blindado onde se pensa que viaja, à desfilada, o primeiro ministro. Isso lhe dará acesso directo a um sofisticado centro de competências onde os diplomas estarão disponíveis ao gosto de cada um, como os preservativos nos expositores das farmácias. Normais, lubrificados, para prazer mútuo e até com inconfundíveis sabores tropicais e manga, fruta-pinha, ananás e pitanga.

Mais do que isso, o candidato poderá escolher a cor e a gramagem do papel, o tipo e o tamanho de letra a utilizar na impressão e mesmo o dia da semanae e a hora que deverão constar da data de emissão. Futuramente haverá até máquinas que os fornecerão automaticamente, como acontece com os maços de tabaco às entradas dos cafés, desde que seja possivel o bloqueio remoto das mesmas, de forma a interditar o seu uso a menores de 18 anos. Os diplomas só não dirão como os maços de cigarros que "fumar mata" mas salientarão, em letras gordas, que o "diploma induca"!

13 de abril de 2007

Funerárias

Este país nasceu por equívoco, não foi um nado-morto mas pouco faltou para isso. E acabou sendo um aborto por vontade de Afonso Henriques e por falta de legislação que impedisse a prática do acto nas clínicas de Badajoz e nas residências das parteiras adjacentes à zona do Intendente. Tanto assim que o futuro está assegurado pela integração na comatosa União Europeia, pela integração de forças militares na libertação do Iraque - ainda se não ouviu que o país participe na actual ocupação daquela terra! - e pelo sucesso indiscutível e sustentado das agências funerárias de que Durão Barroso há-de vir a ser ainda eficiente gestor. E cliente!

O país tem uma queda natural por quanto é tétrico, macabro e inútil. O povo troca, embora por breves minutos, a novela educativa da TVI pelo filme de suspense da licenciatura de José Sócrates. Despreza a utilidade da queca e até a facilidade como jovens actores, consumindo ou não alucinogéneos, descobrem amizades coloridas, participam em sessões múltiplas de sexo e reciprocamente partilham e permutam pares de chifres e actos de traição. O país chega ao orgasmo colectivo se puder espreitar pelo buraco da fechadura e verificar a cor das cuecas da D. Cinha Jardim ou, mais depressa ainda, se confirmar que a ilustre tia da linha, ecologicamente, nem sequer as usa.

Não admira que assim sendo o país se empenhe no aumento da produtividade, na promoção da morte e no convívio, saudável e frutuoso, entre vivos e mortos. Desde logo nos corredores dos hospitais SA, unidades exemplares de que o ministro da saúde vem sendo eficiente mestre escola, sem necessidade de avaliação. Empoleirados em macas, cobertos por panos encardidos que terão sido lençóis, os mortos são sempre conduzidos por vivos ao longo dos corredores, cruzam-se com vivos que vão ocupar as camas que deixaram vagas, ao preço promocional de 5 euros por noite em regime de alojamento e pequeno almoço e algumas vezes, mesmo àsucapa, reviram os olhos numa saudação amistosa, informal e derradeira.

As agências funerárias têm a mesma rentabilidade que a Associação Nacional de Farmácias, mesmo sem o Dr. Cordeiro e sem o negócio dos genéricos. E dispõem de serviços comerciais e de marketing que promovem a excelência dos seus serviços entre mortos, semi-mortos, vivos e funcionários administrativos dos hospitais. Esgrimem argumentos, enunciam vantagens, estabelecem planos de preços como a Portugal Telecome oferecem facilidades de pagamento e tarifas vais vantajosas para quem, previdentemente, celebrar o contrato de prestação de serviços com prudente antecedência. Propõem-se enterrar mais depressa, mais perto, mais fundo, utilizar limousinas como para os casamentos e dar formação profissional contínua, on the job, aos seus gatos-pingados. Utilizar flores naturais importadas da Holanda, sem o menor indício da presença de químicos ou da libertinagem das praças de Amesterdão. Usar carretas motorizadas e silenciosas, movidas a electricidade para benefício da EDP, e espalhar carpideiras profissionais, importadas dos países africanos de expressão portuguesa, ao longo dos arruamentos ladeados de ciprestes. E cobrir a urna - vulgarmente conhecida por sobretudo de pinho, de carvalho ou de cerejeira, conforme as posses do falecido! - com a bandeira da sua associação, do seu bairro, do seu clube ou até mesmo do seu país. Como já fez o senhor Scolari há poucos anos atrás!

12 de abril de 2007

O estado da Nação

Parece que José Sócrates foi ontem à televisão. Quando quis, como quis e para dizer o que quis. Entrou em campo já depois de expirado o tempo de descontos, com o jogo terminado, o árbitro contestado e o resultado considerado injusto por todos os contendores, incluindo o "special one", também conhecido pela alcunha de José Mourinho. Parece ter dito não estar fragilizado pelas muitas dúvidas que sobre as suas habilitações académicas assolam o país exterior ao seu gabinete de primeiro ministro. Nem pelas só certezas que lhe povoam as 24 horas do dia e os cadernos escolares que, a título de recordação, mantém à guarda da sua progenitora, algures numa aldeia de província. Nem podia estar fragilizado!

De facto num país onde a iliteracia campeia nada fragiliza ninguém, nem um analfabeto que persista no pastoreio e na transumância, de cajado na mão e cantil de tinto a tiracolo. Muito menos alguém de boas famílias, que tenha feito o exame do segundo grau com distinção, recebido o primeiro relógio de pulso como prémio, frequentado a catequese, aprendido o catecismo e feito a primeira comunhão todo vestido de branco como um dos anjinhos das imagens pintadas nos tectos das catedrais. Muito menos quem contabiliza mais de sete anos de estudos superiores, sempre com salas de aula situadas acima do sétimo andar do edifício, alguns dos quais de forma penosa, ao abrigo do estatuto de trabalhador estudante, acumulando com as funções eminentemente patrióticas de preparar a felicidade dos portugueses numa das bancadas do parlamento.

Afinal o país pode, e deve, orgulhar-se dos políticos que lhe governam o destino. Porque quando os julga madraços, faltosos, oportunistas, aldrabões e corruptos pode certificar-se que, afinal, há deputados estudantes, secretários de estado estudantes, ministros estudantes e até, provavelmente, presidentes de junta de freguesia estudantes. Que acumulam o sacrificado exercício de funções patrióticas com a miserável retribuição e com a nobre intenção de valorização pessoal para garantirem um maior contributo pessoal para a economia e a produtividade. E para a qualidade de vida dos portugueses: com taxas de juro mais elevadas, batatas mais caras - sem preços controlados pelo major do apito! -, desemprego mais forte e o investimento reduzido a estudos centenários sobre a localização do aeroporto da Ota e à renovação, por colapso, de condutas na baixa do berço do Dr. Rio!

5 de abril de 2007

Ainda a novela

O Doutor Santos Silva não o banqueiro mas o outro, aquele que faz de ministro na peça que se vai mantendo em cena há mais de dois anos, veio pronunciar-se sobre o controverso caso do licenciado em engenharia civil que não é engenheiro. Falou de cátedra e com a mesma inteligência que decisivamente contribuiu para eleger, a título póstumo, António de Oliveira Salazar o maior português de sempre, sendo eleitores aqueles que sobreviveram ao Tarrafal, aos mimos da Pide e às evasões falhadas do forte de Peniche.

Disse o Doutor que, no caso do seu chefe, tudo não é mais do que uma cabala e uma perseguição política a que o seu partido já está habituado. E que as tentativas de influenciar o árbitro têm sido inúteis, não facilitando a ascensão do Dr. Portas a motorista do partido do táxi nem tão pouco a especialização do autarca de Gaia em pediatria, pela universidade independente que, desde há dias, funciona na Ota. Mais do que isso ainda ninguém ouviu pôr em causa o diploma de emérito dançador de tango do secretário geral do partido da foice e o hemiciclo não sugeriu sequer a criação de qualquer nova comissão de inquérito sobre o assunto.

Diz-se por aí que o licenciado em engenharia civil concluiu um curso que nem sequer existia, numa universidade que nunca devia ter existido e que se não sabe se vai ou não continuar a existir para lá da sexta-feira santa e do compasso pascal. Nada de estranho, nada de suspeito, nada de anormal. Os candidatos superdotados não aceitam desafios normais. Normal e vulgar é ser licenciado em engenharia civil, por exemplo, pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto ou pelo Instituto Superior Técnico. Mas já não é para todos obter diploma equivalente emitido pela faculdade de Drave - e a selecção é um carinho para a minha amiga Fatinha! - ou de Boliqueime. O que mais há, até no desemprego, é licenciados pelas duas primeiras escolas. Mas procurem-nos entre os que obtiveram o diploma em Drave ou em Boliqueime...

Gente radical, tanto ou mais que os não fumadores, alega ainda que o diploma teria sido emitido a um domingo, dia que a religião católica e o Vaticano santificam e consagram à oração e à ida à missa. Esquecendo-se que Deus não dorme, à semelhança dos poucos superdotados que no país se disponibilizam a ser ministros com ordenados inferiores ao de qualquer reles assessor. E que o espírito de missão com que se entregam aos cargos lhes faz esquecer que os dias têm 24 horas, que a terra gira à volta do sol e que o Benfica, completamente atolado em dívidas, é como Salazar: o maior clube do mundo. E que, por isso mesmo, assinam despachos e ditam decretos à vigésima quinta hora!

1 de abril de 2007

Tribunal de Contas

O Tribunal de Contas é uma instituição que ninguém sabe o que faz e muito menos para o que serve. Poucos portugueses têm conhecimento de que é dirigido pelo Dr. Guilherme de Oliveira Martins e, se o virem aparecer nas televisões, acidentalmente à hora dos telejornais, pensarão mesmo que ele é governo, presidente de uma junta de freguesia, concorrente de um qualquer híbrido do "big brother" ou a última aquisição feita pelo Benfica para ganhar o campeonato de futebol. Porque os famosos de longa data, com currículo e carteira profissional, como o licenciado em engenharia civil José Sócrates, o menino-guerreiro Santana Lopes ou o "marchand" José Castelo Branco, conhecem eles bem.

Mas felizmente o país é uma coisa digna e séria e tem homens sensatos e lúcidos para além dos famosos e dos arguidos no processo do apito dourado. Pelo menos dois! Pouco notáveis ainda, mas inteligências promissoras e responsáveis como os Drs. Fernando Ruas e Jorge Lacão. Ambos, a bem da verdade, da justiça e do futuro dos portugueses, vieram a público, num curto período de tempo, chamar aldrabão ao Dr. Guilherme e incompetentes aos seus auditores. Sem papas na língua e falando a linguagem popular que toda a gente entende, seja doutor, licenciado ou trolha. Como fez o major Loureiro quando se referiu aos árbitros que não fizeram as arbitragens que convinham ao seu filho e ao seu vice-presidente.

Do primeiro já se falou, a Associação Nacional de Municípios aplaudiu, as televisões passaram as imagens, os portugueses ficaram esclarecidos e tranquilos. É caso arrumado, não vale a pena, como diz o povo, gastar mais cera com tão ruim defunto. Mesmo que não pudesse lembrar nem ao diabo ir auditar remunerações dos gestores das empresas municipais antes de haver legislação que as limitasse. Porque, como se sabe, mesmo sem se ter andado na escola, a honestidade dos homens públicos e a sua transparência de processos, é resultado das leis que houver sobre o assunto. O que quer dizer que se não houver lei não há homens públicos honestos. Mas apenas homens vulgares cuja competência está limitada à aprovação de leis que definam um padrão para a honestidade. Como aliás existe há muito tempo e muito bem, um padrão para o metro linear, o quilograma e as sondagens sobre a popularidade do governo.

O caso do Dr. Lacão é diferente porque ele é estreante na matéria. E o Dr. Lacão faz sempre falta seja onde for: onde não está, onde gostaria de estar e até mesmo onde está. Em boa verdade ele faz falta até onde não faz falta nenhuma! Desde Santarém ele levou primeiro a verdejante lezíria ribatejana a S. Bento, a festa brava a uma qualquer comissão parlamentar e, agora, a discreta e eficiente inteligência das chocas a uma cinzenta secretaria de estado. Onde produziu uma réplica sintética de apenas 55 folhas para dizer que o relatório do Tribunal de Contas apenas dizia mentiras, tinha sido escrito por daltónicos que tomavam o preto pelo branco - sem racismo, apesar de tudo! - e confundiam linearmente toucinho com velocidade. O Dr. Lacão equipara-se ao pároco da sua freguesia, mesmo não usando hábito, e as qualidades do chefe do governo ao somatório das qualidades dos pastorinhos de Fátima. Que o licenciado em engenharia civil tenha na devida conta tão incondicional e lúcida dedicação e dê emprego a mais uns rapazes!