23 de outubro de 2012

O Sporting


Não sei se Vasco da Gama já teria regressado da descoberta do caminho marítimo para a Índia. Mas sei que D. Sebastião ainda continuava ausente na demorada campanha de Álcacer-Kibir, à espera da manhã de nevoeiro que lhe camuflasse o regresso. Seria eu um rapazola mais novo e menos ilustre do que o senhor Manoel de Oliveira. Duarte Lima ainda nem seria sacristão, quanto mais político, empresário, magnata, arguido em processo de homicídio, pombo-correio retido em pombal de luxo, duplex, com uma anilha pendurada de uma das pernas. Gaspar ainda não teria dito a primeira palavra: austeridade, e corria pela casa, cambaleando, de cueiros. Nem sonhando que algum tempo depois uma campanha virada para as novas tecnologias lhe poria à disposição um Magalhães, daria muitos rendimentos sociais de inserção a uma fundação manhosa, confortáveis comissões a desinteressados patriotas e faria dele um utilizador do Excel e um ministro. Para regalo da freguesia e orgulho do pároco.


Por essa altura, em final de época, o Sporting viajou para Angola num bonito Super Constellation, utilizando motores de hélice e fazendo não sei quantas escalas pelo caminho. Depois subiu até cerca de 1700 metros de altitude, para o planalto central do Huambo, onde o ar ligeiramente rarefeito já dificultava o esforço. Perfilou no melhor campo da terra uma equipa a que ainda sobravam Vasques e Travassos como sobreviventes dos cinco violinos e defrontou a seleção do distrito. E, embora com alguma dificuldade, ganhou. O respeitado Zé da Europa marcou os dois golos da vitória e terá tido como prémio alguma Canada Dry e alguma sandes de presunto. Vem-me daí alguma simpatia pelo clube que, pese isso embora ao adversário do outro lado da segunda circular, foi o único que até hoje alinhou nas prateleiras os troféus correspondentes a quatro campeonatos seguidos. Mas isso foi no antigamente, na vida, quando os animais falavam. E o senhor Pinto da Costa creio que até ainda era solteiro.

Depois as coisas mudaram e a bagunça instalou-se e foi evoluindo. Os adeptos deixaram de desejar troféus e passaram a contentar-se a cada domingo com uma vitória, até com um empate, depois mesmo com uma derrota, desde que fosse por poucos. As direções foram-se sucedendo e as equipas também. Qualquer um trazia projetos infalíveis e equipas invencíveis que, fatalmente, falhavam antes do Natal e eram derrotadas antes do outono. Com Godinho Lopes veio um treinador novo, um administrador e um diretor desportivo a cheirarem a bafio e uma equipa contratada à custa do aumento da dívida, tal como o país. Tal como o país, falharam. E o presidente começou por decidir e iniciar a construção do novo edifício. Pelo tecto!

Despediu o treinador e continuou a pagar-lhe. E este, sem necessidade de ansiolíticos, foi-se mantendo no conforto doméstico, lendo os jornais desportivos, vendo a casa dos segredos e frequentando desfiles de moda. Para sua substituição trouxe um antigo jogador da casa, rápido no pontapé e forte no murro. Este deu uns gritos no balneário, agarrou alguns colarinhos, ameaçou apertar alguns percoços, ganhou alguns jogos. Depois foi ao estádio de Oeiras perder a Taça de Portugal para a Briosa, com um golo marcado prematuramente, parece que obtido ainda no túnel de acesso ao relvado. Pior ainda, parece que sem culpas do árbitro. Perdoou-se-lhe, tal como Deus o presidente é grande!

Para a nova época contraram-se estrelas sem brilho com cheques sem cobertura, duas vulgaridades. As coisas começaram mal, evoluiram para pior, acabaram péssimas. O Sporting perdeu até o estatuto de favorito em todas as arenas. Chegou à Hungria como favorito e regressou como goleado sem apelo nem agravo. Mandou-se embora o treinador, substituiu-se por um precário, prometeu-se um novo. Nem o novo foi anunciado nem a equipa passou a ganhar e acabou eliminada da Taça no primeiro jogo. O administrador e o diretor desportivo renunciaram aos cargos. Indiscutivelmente a equipa não ganha por culpa dos treinadores, dos administradores e dos diretores. Mesmo que os jogadores marquem golos na própria baliza, rematem para a bancada, treinem na Churrasqueira do Campo Grande e estagiem no Elefante Branco!

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