10 de fevereiro de 2013

África


África podia ser um bairro e não é. Podia ser um sítio, um lugar, uma aldeia, uma vila, uma cidade. Podia ser um país, um continente, um satélite, um mundo. Podia ser um sistema planetário, um universo, um faz de conta. E não é, porque África não cabe em nada disso. África é um primeiro nome, e um segundo, e uma sequência interminável deles, num alinhavo provisório que se não sabe onde começa ou quando acaba.

África é um nome de lugar, um vikanjo escondido para lá do carreiro, correndo a custo por sob as frondosas copas das árvores tropicais. É uma chuva de meia hora, que cai com a intensidade de uma paixão adolescente que se sonha. Um extenso capinzal que nos encobre e que acolhe na sua solidária dimensão répteis e insetos, com pequenos pássaros balouçando lhe nas pontas, ao ritmo de um vagaroso vento quente que chega do deserto.


África é nome de rio que corre para oriente ou para ocidente, com o sol sempre a nascer por detrás da mesma mulemba, é nome de todas as Kalandulas em que se precipita ao longo do percurso, nome de todas as curvas e contracurvas em que se espreguiça antes de morrer num estuário a saber a sal e a peixe prata, desde as alturas de todos os Kilimanjaros. África é nome de peixe, doce como todas as lagoas do Panguila, bom como kakussos de todos os rios.

África é mukua, nome de fruta, nome de pássaro, katuiti, nome de bicho. Nome de pessoa, nome de terra, Xamissassa, nome de pedra grande onde se pisa o milho, arrastando as pancadas ao som interminável da lenga-lenga, enquanto a farinha alva se fabrica para a comida de logo à noite. A panela no chão, todos sentados em volta, dois dedos da mão respeitando as hierarquias e apontando àquele canto, a outra mão tentando segurar o escaldão e o peixe retirado de cima das brasas.

África é humanismo de Senghor nas matas do Senegal, dividido com Cesaire, partilhado com o mundo, sem direitos de autor e sem propósito de lucro. África é Cabinda, haja ou não Simulambuco, é Kwanza, N’dalatando, Kaxito, Kibala, Bailundo, Benguela, Huambo, Bié, Menongue, Ondgiva, Kunene. África é a extensa liberdade com que se escreve cada nome, sem regras e sem acordo ortográfico, cada um deles um frenético passado de dança, uma eminência de bassula. África é mais do que tudo isso, África é mãe. Mãe África!

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