6 de março de 2013

Futebol e dívida soberana


Por menos que isso possa parecer, o futebol e a dívida soberana são duas atividades com muito de comum entre si. Ambas são apenas entendidas por especialistas – numa sociedade que já não dispõe de generalistas que saibam a tabuada dos três e qual é a capital da Hungria – e cuja conceção teórica está cometida a verdadeiros cientistas.

Primeiro julgava-se que o futebol era apenas um jogo de onze contra onze, conduzido por um trio de arbitragem de três elementos – e agora um trio de quatro! – cujo chefe carregava o apito pendurado ao pescoço e a responsabilidade de o fazer ouvir quando houvesse infração das regras. Hoje o futebol é uma indústria onde se não produzem sardinhas de conserva ou rolhas de cortiça, mas onde se ampliam calotes, mesmo quando se pensa que isso já é impossível. É uma indústria falida, como a do país em geral, onde se não produz coisa nenhum e se traficam seres humanos a preços exorbitantes e por períodos curtos, sob contrato.


Do que antecede resulta que às eleições para os corpos dirigentes se apresentam tantos mais salvadores da instituição quanto maiores forem os calotes que esta tenha contraído e maior for o atraso no pagamento dos ordenados dos operários do pontapé nas canelas. Organizam-se competições para que não há dinheiro, constroem-se estádios novos que não servem para nada, prometem-se conquistas que levam o país de novo a Ceuta e à epopeia dos descobrimentos. É ver a situação atual do Sporting, carregado de dívidas, sem plantel, esforçando-se por fugir aos últimos lugares da tabela classificativa, invocando os seus antepassados, a sua grandeza esquecida e a genealogia do visconde de Alvalade. Um dos candidatos adianta que o problema nunca foi de dinheiro – pois não, foi da crónica falta dele! – e outro diz que é eleito hoje e amanhã entrega na tesouraria do clube, sem juros e sem reembolso, absolutamente oferecidas, algumas dezenas de milhões de euros. Sem se saber onde os tem, como os ganhou ou onde os vai buscar.

A dívida soberana representa o resto de soberania que é património da país, apenas porque ninguém a quer. Não há muitos anos chamava-se-lhe dívida pública e era representada por títulos a que se chamava obrigações. Hoje a dívida soberana cria uma vontade incontrolável e dependente de ir aos mercados. Para fazer compras para a semana? Nada disso, apenas para vender dívida. E vender dívida é a salvação do país como o senhor Carvalho será a salvação do Sporting e da juventude leonina. Vamos aos mercados e vendemos os calotes, em vez de os pagarmos, arrecadamos bom dinheiro por eles. Claro que isto não é compreensível para qualquer um, se assim fosse o senhor Gaspar teria sido capaz de administrar as finanças caseiras com a competência que o terá feito a doméstica senhora sua mãe.

Não se pede dinheiro emprestado, obtém-se ajuda dos nossos amigos agiotas às taxas de juro que eles entenderem. Presta-se-lhes contas com a periodicidade que impuserem, alojam-se-lhe os funcionários em hóteis de cinco estrelas, põem-se-lhe à disposição automóveis topo de gama com motoristas impecavelmente fardados, usando gravata preta e camisa branca, como se fossem para um funeral. E o regresso aos mercados não representa a intenção de pagar os calotes, representa apenas a intenção de fazer mais e maiores. Não sabem todos os especialistas e todos os cientistas que alguém, algum dia, terá de pagar o que se pediu emprestado. Neste caso, as gerações vindouras, de futuro hipotecado até sabe-se lá quando. Mas a mãe do senhor Gaspar sabe, e a minha também sabia. Falasse-lhe eu em vender dívidas e dava-me um estalo nas trombas, e bem dado. E a falta que ele vai fazendo ao senhor Gaspar!

1 Comentários:

Às 1:46 da manhã , Anonymous Anónimo disse...

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