23 de abril de 2013

O país do Pacheco


O país é este, que faz Luiz Pacheco revolver-se na tumba, soltar impropérios, fazer corar de vergonha o ousado vernáculo da Ribeira e a erudição dos salões de São Bento. O circo não se monta pelo Natal para depois ser desfeito pelo Ano Novo. Funciona o ano inteiro, com os malabaristas a subirem ao trapézio, com a protecção da rede, e os palhaços a morar em Belém, à espera de mais uma fornada quentinha de pastéis polvilhados de canela.

Não fosse nada disto trágico e o país era um pagode, a gente ria-se a bandeiras despregadas, pateava, batia com os pés no chão, assobiava. Mas a verdade é que o presente e o futuro foram cortados rentes. Os velhos não têm alojamento condigno, são vulneráveis, perseguidos e espoliados, não têm nenhuma força do seu lado, esperam apenas que o coração lhes pare e a carreta os leve. E um sensível e sensato governante, julgando-se culto e engraçado, cola-lhes à testa um letreiro como se fossem judeus no III Reich: “peste grisalha”.


A parte activa da população, aquela que devia trabalhar e produzir riqueza, não se espalha pelos cafés como no tempo de Eça, porque não lhe resta dinheiro para a bica. Desempregados e sem apoios, são escravos lançados às feras numa arena romana, mandando os filhos aprender a ler com fome e sem saber para quê. O máximo que conseguem é tirar o sono e um qualquer ex-ministro que se fez licenciado em relações internacionais com a equivalência de duas semanas de férias em Copacabana, em hotel de luxo.

A juventude, sem presente, sem futuro e sem nenhumas perspectivas de poder arranjar um emprego, constituir uma família, utilizar a dispensa que o governo lhe concede para fazer um filho, arrasta-se pelas ruas, completa licenciaturas, mestrados e doutoramentos. E conforma-se com a ocupação à hora que o Continente lhe oferece na secção das caixas. O primeiro-ministro indica-lhes a porta de saída, expulsa-os, aconselha-os a emigrar. Ele, que se licenciou tarde e a más horas, vive na política desde que lhe começou a despontar o buço, não faz a mínima ideia do que seja o país real e vive curvado perante a chanceler alemã, muito atento, venerando e obrigado.

A informação não existe, nem nos jornais, nem na rádio, nem nas televisões. Os factos são manipulados à medida da conveniência dos seus administradores e de quem lhes paga para se manterem atentos ao conteúdo da gamela. Uma companhia de aviação vende-se à mesa do café, sem concurso e sem subscrição pública, entre uma bica e um copo de água. O que é público aliena-se ao desbarato, arrecada-se a comissão, o ministério público salvaguarda a legalidade e assegura que Deus dorme tranquilo porque não há corrupção. Qualquer despacho subscrito por um anónimo secretário de estado, a nomear para o seu gabinete um experiente especialista de 20 anos de idade, é considerado uma reforma. Se o mesmo despacho for subscrito por um ministro e abranger dois especialistas reclama, desde logo, a dignidade de reforma do estado, nome em avenida, discursos de inauguração e corte de fitas, com a memória e a inteligência de Américo Thomaz ao virar da esquina.

Por estes dias, se esta coisa que se pendura do Cabo da Roca fosse um país, que não precisava sequer de ser civilizado, estava meio mundo na cadeia, sem o requinte da prisão domiciliária ou o conforto da pulseira electrónica e sem admissão de nenhuma caução. Apenas por causa de uns contratos especulativos, ditos de “swap”, poucas vezes de risco, para que se não perceba o que está em causa, firmados por administradores ao serviço de empresas públicas, alguns desempenhando funções governativas. E que fez o governo? Veio a público denunciar a situação? Exigir responsabilidades? Reclamar transparência? Afirmar idoneidade? Impor-se em defesa do que é colectivo?

Nada disso! Pela calada da noite deixou ou fez partir sossegadamente os trapaceiros e nomeou outros. E, valha-nos toda a Santíssima Trindade, justificou-se: as trafulhices foram todas feitas antes da sua entrada em funções. De forma que não lhe podem ser assacadas responsabilidades. Adaptando as palavras de Almada às circunstâncias: “se este governo é português, eu quero ser espanhol”...

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