27 de março de 2015

A água da chuva não te seca a roupa

A água da chuva não te seca a roupa nem provoca a dor que te escorre do coração como um saltinho de pardal, bicada aqui, bicada ali, colhendo as alergias que se espalham com o vento norte e o pólen que ainda sobra das flores que resistem nos ramos longos das acácias. Tudo tem o seu tempo, exato e incerto, como os segundos caindo dos ponteiros dos relógios de cozinha a cada ano bissexto, mais um dia no calendário de fevereiro, menor é o tempo necessário para a fritura dos bolinhos de bacalhau, transpirando ao verde aromático da salsa.

Os olhos meigos das crianças são amendoeiras em flor estendendo-se pelos penhascos à beira Douro, tão longos que vão para além da foz, até ao mar alto onde se afundam as inutilidades do dia a dia. E tu, descalça, um vestido de tule branco, caminhas sobre a espuma das ondas que se aquietam no horizonte como se te temessem o mau génio e a insegurança com que o vestes para se chegar à pia batismal, a receber o santo sacramento. Enquanto o dia nasce de primavera cinzenta de fevereiro e o sol se esconde à espera que o governo decrete a mudança da hora e ele possa recolher-se quando se calarem os sinos das igrejas.


Sozinho digo que é cara a electricidade produzida por chineses e, de repente, as linhas férreas enchem-se de comboios movidos a vapor. E surgem reedificados os lavadouros públicos sob o céu sombrio das Fontaínhas, com mulheres subindo a calçada da corticeira, carregando à cabeça molhos pesados de carqueja para atiçar os fogos de verão e assar as sardinhas pelo São João. Todas as máquinas eléctricas fabricadas na Coreia vão enchendo os depósitos de sucata que se multiplicam ao longo da avenida, sob o olhar impotente da vereação e do polícia de serviço.

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