14 de março de 2015

Manhã de sábado

Manhã de sábado, a rua, o passo inseguro e vacilante, as pernas bambas, o céu azul e um sol de março invadindo praças e travessas. Acordei cedo para o que é hábito do relógio que me dorme à cabeceira e escanhoei a cara, nem um arranhão. Minha mãe, à distância de mais de sete anos, haveria de gostar, sem dizer palavra. Mas o seu sorriso cândido, de mais de nove décadas, certamente lhe brilharia nos olhos e me chegaria à alma como uma carícia da sua mão magra e velha, como se pensasse que, assim, eu me pareceria mais com uma pessoa normal e menos com um salteador do século dezanove, escondendo-se às esquinas da noite, à espera da vítima.

Fi-lo também, e especialmente, por ti. Para poder sentir na minha pele macia o afago morno da tua mão pequena e frágil, sem nenhum queixume de que a minha face é uma seara de punhais maduros, prontos a ferir e a fazer-te correr as lágrimas sentidas que não desejas e a ver jorrar o sangue dos ferimentos, vermelho, azul, extracto de salsaparrilha, que sempre resultam das pontas afiadas dos punhais. E posto isto, aqui me quedo, deambulando perdido e sem destino pelos espaços que o sol vai abrindo à minha frente, como se fosse um vencedor, a coroa de louros soltando-se-me dos cabelos, uma qualquer medalha presa ao peito e encaminhando-me para a posteridade e para a história.


Dura a espera e este desespero denso que carrega, desde que a madrugada se fez anunciar na luz mortiça dos candeeiros eléctricos da iluminação pública. Um olho desperto preso à noite, que não morre, o outro pousado sobre o silêncio de um telefone, que não toca, o pensamento voando em círculos, à volta da tua ausência longa que já não tem medida nem diâmetro em que possa acomodar-se. Depressa o sol rumou a poente e foi perdendo altura, a perder-se nas águas frias do oceano, onde se perdem os sonhos de cada dia e a luz que os ilumina. Dele não fica mais do que o estertor final, esplêndido, antes de sumir-se na linha imaginária do horizonte. Na praia há apenas um banco vazio, sem corpos que se toquem e sem mãos que se dêem.

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