22 de março de 2015

Melancolia

Amanheceu um domingo triste de primavera, um sol medroso arriscando-se tímido no cinzento granítico das calçadas. O rosa das magnólias, frágeis e sem aroma, por breves dias vai projectar-se contra o azul quase limpo do céu, se não houver nenhum eclipse que o impeça. As pessoas transpiram uma calma aparente e falsa, que não carregam, e juntam-se às portas dos cafés a dizer mal dos vizinhos e dos amigos. Vestidas como se fossem para os empregos que ainda sobram, e algumas ainda assim se dirigem para a missa, a tomar a hóstia, fingir santificação e atentar contra o celibato hipócrita do padre, escondido sob o ar solene e rico dos paramentos.


Tudo parece calmo, e eu aqui sentado à mesa do café, meia de leite e um pão com queijo que me servirão de alimento durante todo o dia. À tarde vão faltar-me as forças nas pernas, irei cambalear e encostar-me às paredes ásperas e frias, tal como me faltam o ânimo e a vontade para escrever poesia num sítio virtual onde tudo é obra de arte. À minha frente um homem calvo, quase novo, usa brincos nas orelhas, tem os braços grotescamente pintalgados com tatuagens negras e vai colorindo apressadamente os quadradinhos de um caderno escolar de fazer contas, que retirou de uma mochila que depositou sobre a cadeira ao lado. Alinhada sobre a mesa há uma dúzia de esferográficas de cores diferentes, prontas para a chamada e aptas para a função. Cada quadradinho pintado é um Picasso que os museus correrão a licitar nos próximos leilões, um poema que Mário Viegas não teve tempo de dizer por morrer precocemente, uma prova dos nove que simplesmente não dá certo.


E ainda este vendaval de facas que é o teu silêncio, invadindo-me a cabeça como se fossem espadas desembainhadas prontas para a refrega. E o desprezo explícito que carregam, a escorrer-me pela face num ininterrupto fio de sangue com que se me escoa a vida no gume de uma lâmina com que me feri ao fazer a barba, logo pela manhã. Este sol sem brilho e sem vontade a que não sobra mar que se enfureça em vagas de sete metros, a desfazerem-se contra a imobilidade enganadora do molhe, só cimento e aço. E todas as perguntas que deixas sem resposta, e todos os longos silêncios que deixas vazios de palavras, e o telefone sempre pousado e quieto, esperando por um sinal teu que nunca chega. Enquanto te distancias e vais a caminho de um destino um pouco mais a sul!

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