Hoje não preciso de palavras
Hoje não preciso de
palavras, já me sobram as ruas desertas de domingo e este sombrio sol de junho
varrendo de estilhaços os adros das igrejas. Dói-me a forma lenta como a tua
ausência se arrasta pelas horas, sem um sinal de regresso, uma esperança do
perfume suave dos jacarandás nos jardins públicos. Podia haver ao menos um indício
de que a tarde te trazia de volta, caminhando devagar à beira rio, desejando
ser nascente para ser ponto de partida.
Mas preciso de um olhar
manso e tranquilo que me não chegue muito tarde e me desça devagar pela coluna
, vértebra a vértebra, até à região lombar, onde um enigmático quisto persiste
em me habitar e em lembrar-me de que algo de meu lhe está entregue e lhe
pertence, não vá eu entregar-me por inteiro ao fresco que a noite há-de trazer
e à lembrança de que nem isso pode fazer-te regressar ao meu regaço.
Preciso que me dês a tua mão
e que nela sintas a certeza com que te aperto toda num só abraço. Que o calor
morno do teu corpo me suba pelas veias e me chegue ao coração, renovando a vida
que lhe dá o oxigénio que me entra pelas narinas, num caudal apressado e
tumultuoso, como se tudo pudesse num momento fazer-se tarde. Preciso que o
cheiro sempre novo do teu corpo se estenda sob a intranquilidade dos meus
sentidos e que delicadas gotas de orvalho, doces como mel de urze, se estenda pela
ponta macia dos meus dedos.
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