Domingo, 11 de outubro de 2015
O verão foi-se de viagem, há
muito atravessou Gibraltar, a caminho do deserto africano. Chegou entretanto
esta manhã de domingo, triste e nevoenta como o teu percurso, a tentar, como
tu, abraçar-se aos troncos sem idade dos plátanos da praça, onde vai morrendo
um vento fraco que lhes amarelece as folhas e as faz tombar, perdida a alegria
verde da primavera que as trouxe. Então tudo eram só promessas de bom tempo, o
perfume das rosas de antigamente, o sol parado no solstício para que nunca mais
se chegasse ao equinócio, a caminho do inverno.
Todas as horas eram só uma
presença tua, constante e ininterrupta, sem nenhuma ausência, persistente na
conveniência, insistente no propósito, determinada na acção. Todas as palavras
enfeitadas com a sensualidade dos poemas de Neruda, escondendo a falta de
melodia e o ritmo que se extingue no teu puro prazer das descobertas,
completadas todas as viagens de circum-navegação e encontrados ao acaso todos
os brasis, duas lágrimas escorrendo-te pela face, sem sabor a sal ou a
sentimento, água destilada.
Depois a aparente doçura das
palavras tornou-se num som agudo, estridente, quase grito como vento desabrido
empurrando a chuva, do chuvisco se fez dilúvio, da maré vazia se fez
tempestade, ondas de sete metros galgando o molhe, da verdade se fez o caminho
da mentira, das promessas se fez desgraça. Da ilusória ternura do olhar se
fizeram gumes letais e dos teus dedos não sobraram mais do que punhais cravados
pelas costas. Ao sabor das novas descobertas que serão abandonadas na sarjeta,
como todas antes.
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