Naquele tempo era sempre tempo de palavras doces
Naquele tempo era sempre
tempo de palavras doces. Naquele tempo amanhecia a quase dois mil metros de
altitude, o sol rompia por entre os capinzais nas manhãs frias, todos os
pássaros chilreavam com os peitos pintados de azul celeste, como se fossem
catuitis, e os bicos curtos com a cor do lacre que selava as cartas em que eram
escritas as declarações de amor, como se fossem bicos de lacre. Uma ribeira de
margens estreitas serpenteava por entre caniços e nevoeiros herdados das
madrugadas, sem ruído que despertasse a preguiça dos peixes que lhe repousavam
no fundo, ao ritmo a que áfrica guardava o sol nos horizontes da savana, quando
nem sequer imaginava que havia relógios que mediam o tempo nas ruas iluminadas
das cidades da europa.
Naquele tempo, como em todos
os tempos, áfrica era mais do que um continente, um estado de espírito, uma
forma de vida, uma picada de marimbondo, um sortilégio onde o mar e o sol são
de graça, como disse Camus na profundidade das suas palavras simples e doces, a
saber a chocolate. África era uma sinfonia, uma orquestra de não sei quantas
figuras, sobrando-lhe no ritmo frenético o que lhe pudesse faltar no enlevo
educado da melodia dos salões vienenses. O ritmo dos dias e das noites, da água
vermelha das chuvadas correndo nas valetas, dos pregões das quitandeiras
subindo do vale do Kewe, bairro de Benfica acima, cada cesto de morangos a meia
cinco e um sorriso aberto por entre os dentes brancos, a brilhar num fundo
escuro e de inocência feliz.
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