24 de dezembro de 2015

Naquele tempo era sempre tempo de palavras doces

Naquele tempo era sempre tempo de palavras doces. Naquele tempo amanhecia a quase dois mil metros de altitude, o sol rompia por entre os capinzais nas manhãs frias, todos os pássaros chilreavam com os peitos pintados de azul celeste, como se fossem catuitis, e os bicos curtos com a cor do lacre que selava as cartas em que eram escritas as declarações de amor, como se fossem bicos de lacre. Uma ribeira de margens estreitas serpenteava por entre caniços e nevoeiros herdados das madrugadas, sem ruído que despertasse a preguiça dos peixes que lhe repousavam no fundo, ao ritmo a que áfrica guardava o sol nos horizontes da savana, quando nem sequer imaginava que havia relógios que mediam o tempo nas ruas iluminadas das cidades da europa.


Naquele tempo, como em todos os tempos, áfrica era mais do que um continente, um estado de espírito, uma forma de vida, uma picada de marimbondo, um sortilégio onde o mar e o sol são de graça, como disse Camus na profundidade das suas palavras simples e doces, a saber a chocolate. África era uma sinfonia, uma orquestra de não sei quantas figuras, sobrando-lhe no ritmo frenético o que lhe pudesse faltar no enlevo educado da melodia dos salões vienenses. O ritmo dos dias e das noites, da água vermelha das chuvadas correndo nas valetas, dos pregões das quitandeiras subindo do vale do Kewe, bairro de Benfica acima, cada cesto de morangos a meia cinco e um sorriso aberto por entre os dentes brancos, a brilhar num fundo escuro e de inocência feliz.

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