12 de janeiro de 2016

Rio cheio

Aqui chega assim, este rio cheio, grávido de montanhas, pleno de águas fartas e sujas, arrastando restos de vida e destroços de árvores centenárias a cuja sombra se abrigaram peregrinos, a caminho do destino. Um porto imenso a que não sobra espaço para ser cais, nem pedra para o construir, todos os barcos fundeados, sem mestre, encolhida a arrogância das quilhas, enroladas as velas no fundo do convés, assustados e inúteis. Por cima um céu quase nocturno, sem luar nem estrelas, pesado como se fosse chumbo, o voo inquieto das gaivotas ligando as margens, para cá e para lá, o estridente grasnar da fome sem tempo e sem remédio.

Os dias seguintes, depois da chuva e das enxurradas, hão-de trazer de volta o brilho frio do sol das Astúrias, correndo no fundo das gargantas rochosas de granito, riscando fronteiras ibéricas, acrescentando metros cúbicos ao volume das albufeiras, descendo barragens, produzindo a energia que dará às noites a luz da alvorada e o conforto morno das lareiras. A imponente envergadura dos grifos deixará o repouso sereno no cimo das escarpas e irá fazer-se ao voo alto e tranquilo, planando de asa aberta, a espreitar o local onde se lhe ofereça o alimento ou onde espreite o metal da arma que lhe ameace a espécie.

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