29 de julho de 2016

É preciso avisar toda a gente

É preciso avisar toda a gente, sair à rua, distribuir panfletos, escrever nas paredes, fazer sessões de esclarecimento, recolher assinaturas, apresentar uma petição ao parlamento, garantir que este aprova legislação adequada que nos proteja de todos os malefícios que nos trazem os velhos. É preciso chamar os bois pelo nome, sem equívocos nem eufemismos nenhuns, porque velho é velho, pronto, não é idoso, nem sénior, nem peste grisalha, nem merda nenhuma. É só velho mesmo. É apenas uma coisa fora de prazo, a que se deve dar o destino que se dá aos iogurtes que passaram da validade, evitando a infecção intestinal e a disenteria, a bem da saúde pública e da qualidade de vida a que temos direito, consagrado na constituição e nos tratados internacionais que já chegaram a Xangai.

É preciso rever o calendário, alterar as estações do ano, mudar o sentido dos pontos cardeais, proibir-lhes o verão, antes que nos chegue o dilúvio. Os velhos arrastam os pés, apoiados em bengalas de madeira que nos devastam recursos florestais e prejudicam o ambiente, ocupam as sombras das praças, sem licença das câmaras e sem notícias do bloqueio. Sentam-se nos bancos dos jardins públicos, com a cabeça entre as mãos magras, a olhar para o vazio, procurando o passado. Dão milho aos pombos que nos transmitem as epidemias e o desemprego, jogam à sueca como se praticassem uma ciência, rabujam entre si, desentendem-se e acabam dormitando ao sol, com a tristeza a adivinhar-se-lhes para lá das pálpebras cerradas pela sesta.

Os velhos atafulham a beira-mar, plantam guarda-sóis na areia das praias de bandeira azul, chapinham na água que lhes sobra das ondas, besuntam-se de cremes dos pés à cabeça, deixam pegadas marcadas na borda de água, prejudicam o justo descanso de quem pensa e governa o país, enxameiam as bichas para os restaurantes, onde se sentam tempos infinitos como se não houvesse relógios, a comer sardinhas assadas e salada de pimentos, sempre a queixar-se das artroses e do tamanho insuficiente das pensões de reforma. Os velhos são assim mesmo, uma palavra fugida do título de um livro de Miguel Esteves Cardoso. Como o amor!


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