9 de setembro de 2016

Nove anos sem ti

Era domingo de manhã e eu descera os primeiros degraus, quando o telefone me tocou no bolso das calças de ganga. E, de repente, faltou-me a escada e ruiu-me a vida. Silencioso, reentrei em casa e sentei-me à mesa. Os cotovelos apoiados sobre o tampo, a cabeça entre as mãos, os olhos enxutos, o sangue escorrendo-me por dentro, uma dor sem medida paralisando-me por inteiro. No dia seguinte fui a enterrar-te, pousei levemente a mão sobre a tua testa fria e chorei. Até hoje não parei mais e sei que não vou parar. De tempos a tempos volto à tua presença, mas és apenas uma pedra de granito polido, de um cinzento triste, com um sorriso adolescente, de noventa anos, soltando-se de uma fotografia que eu tive a felicidade de registar. Em volta, tudo mudou.


Ficou mais velha a freguesia e todos os lugares que a completam. Os correios fecharam, o padre morreu, a casa onde morava está ao abandono e ameaça ruína. Deixou de haver pároco residente e é o padre da freguesia vizinha que vem para a missa de domingo e, raramente, para os funerais de quem morre, porque já há pouca gente para morrer. A Festa Grande mantém os enfeites em papel de seda, a quermesse a sortear bugigangas sem préstimo e vive de meia dúzia de velhos teimosos, arrastando os pés e segurando o pálio, arremedando a procissão, e de outra meia dúzia de velhas, vestidas de branco, carregando à cabeça o peso das fogaças e a inclemência do sol.

Os bolinhos, com o inconfundível sabor a limão e a canela, continua a Gata a cozê-los no forno que tem na cozinha, onde tem pousada num parapeito uma fotografia contigo, que eu lhe ofereci numa moldura pequena. Fá-lo, mantendo aquele deslumbrante azul nos olhos, cansados por tantos anos de trabalho, e o discurso desbragado, em bom português, que faria Bocage corar de vergonha. De resto, fica o futuro dos velhos pendurados às soleiras das portas, as vinhas por podar, os campos onde cresce e seca toda a espécie de ervas e a azeitona que ninguém apanha. Gratificante, é a memória viva da Celeste – com os filhos já crescidos! – e daquela tarde, no dia de um teu aniversário, em que te foram levar o carinho de uma rosa apanhada à porta de casa!


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