10 de julho de 2017

António Loução

António Loução era um homem pequeno, magro, de aspecto frágil. E que, para a ignorante curiosidade dos meus verdes anos, exercia a impensável actividade de super-homem. Era caçador profissional! Só isso já era suficiente para me meter medo e, autenticamente, para me aterrorizar quando o via, mesmo de longe, porque nunca me cruzava com ele. Conseguia sempre evitá-lo, mesmo que ele se apercebesse da frágil ingenuidade dos meus artifícios e dos meus propósitos.


Vivia no Bairro de Benfica, numa casa um pouco abaixo da igreja, rodeada por um largo terreno, sem nenhum tipo de vedação. Nem muro, nem rede, nem arame farpado. Nesse espaço se arrumavam, sem ordem, um velho camião Fargo, de cor indefinida e carroçaria de madeira, que era a sua casa durante os meses em que estava ausente, a caçar. Muitos barris de vinho importados da metrópole, vazios, alinhavam-se ao longo das paredes da casa, recebendo no tampo a água da chuva que caía dos beirais e que evitava que as aduelas se desmoronassem.


Com as pontas presas às paredes, havia estendais de arame zincado, que se mantinham mais tensos com a ajuda de paus compridos a empurrá-los para cima. Neles se penduravam a roupa a secar, a carne da caçada anterior que ali chegara envolta em sal e acondicionada nos barris e ainda as peles dos bichos abatidos, que haveriam de seguir para a fábrica de curtumes. Das peles curtidas se fariam sapatos à medida, carteiras para as senhoras e alguns outros utensílios que ocorressem à imaginação do mestre da sovela.

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